O que é poesia? O século XX, com a Segunda Revolução Industrial e a era da reprodutibilidade em massa, tornou a recolocar a questão em termos fundamentais. Daí, a quantidade de ismos surgidos. Pelo menos, serviram para mostrar que a arte do verso, não era a única das artes poéticas. Pois esse mesmo verso entrou em crise - não no sentido de dizer que ele acabou, mas que sua perspectiva artisanal é outra.
Como vai a poesia? "A poesia vai bem, obrigado". Esse blá-blá-blá, em certas entrevistas de um coloquialismo pseudoinformal - baforadas de euforia em volta do óbvio – apenas tenta disfarçar a impotência de alguns medalhões para enfrentar o problema. Para a ignorância, a falsa modéstia cai sob medida. E não adianta citar os clássicos: eles vão bem, obrigado.
Como os modernos que, sem se terem afirmado como vanguardistas, souberam forjar o grande dizer, aquele dizer que faz pensar, a "emotion recollected in tranquility": Rilke, Auden, Eliot, Yaléry, Fernando Pessoa.
Então, de onde vem a poesia? Retornemos ao fazer inaugural (poiesis): pode vir de tudo.
Será, por exemplo, exclusivamente prosa o teor de dois textos ("Noosfera" e "Phaneron") de Décio Pignatari? Ali, o processo de concepção de texto mostra-se mesmo no rio de Heráclito, quando qualquer lei racionalista entra em pane. Atéias da álea. Aliás, se, como diz Whitehead, o processo é a permanência do infinito nas coisas finitas, estamos diante de um Pignatari pré-socrático.
Não há título. Ou melhor, há sim: é o pequeno retângulo preto sobre a capa retangular branca. Trata-se do terceiro dessa modalidade que se pode chamar de livropoema, que Ronaldo Azeredo vem publicando. Vira-se para a primeira página - uma folha transparente apresenta um retângulo maior (equivalente a um oitavo de página) a encerrar, inteiramente esmaecido, como que poluído, um trecho de paisagem. No papel couché, à medida que avançam as páginas, os pequenos retângulos pretos passam a multiplicar-se, como enxame, até que a figura (o preto) se transforme em fundo. Sempre intersecionada, entre cada folha, aparece a página transparente com o retângulo de um oitavo, variando apenas a localização desse e o trecho de paisagem esmaecida. No fim, a surpresa. O que era o óbvio para o ser humano, tomou-se resplandecente: a contracapa em cores, com o azul do rio e o verde das montanhas. A única coisa não-racional do livro. Mas, para ter chegado a isso, todo o processo foi racionalizado: a luta do computador (os pequenos retângulos) contra a paisagem, ou a luta da máquina contra a natureza. Essa, aliás, não tem nada a ver com razões superiores, é amoral, como diz Auden: "só pode amar a si própria". Enquanto que quem inventou a desumanidade foi o próprio homem...
O Estado de São Paulo
27/01/1974