"Panorama de todas as flores da fala." As traduções pioneiras de Joyce para o português (por Augusto e Haroldo de Campos) começaram a ser publicadas em 1957, no Suplemento Literário do Jornal do Brasil. Os fragmentos de Finnegans Wake não são, genérica ou convencionalmente falando, um produto de poesia, mas de prosa (romance). Porém, tal como, com menos intensidade, no caso do nosso Guimarães Rosa, trata-se daquela prosa, organização de fábula ou relato, consumada pela inauguração poética, ou seja, mais intensamente da palavra do que da frase, uma prosa "impura", por não estar afeta apenas ao máximo de transparência do nível semântico do texto. Joyce, por excelência, é o escritor das palavras-valise, dos "baluastros", "ocidantescos", "dogmalucos" ou "pensaventos". Então, exige isso um exercício recriador, fundado no rigorvigor do domínio das palavras em relação.
Finnegans Wake projetou-se como o romance para encerrar ou acabar todos os romances, em estrutura circular, podendo começar a ser lido a partir de qualquer linha ou página - tanto que principia com a parte final de uma frase, cuja inicial é a última linha do livro. Aliás, os fragmentos contendo os trechos inicial e final estão lá traduzidos. O romance também pode ser atacado a partir de vários trechos, em operação descontínua: tomadas de um cosmo verbal que, até hoje, raríssimos leitores consumiram como um todo, mormente na ordem das páginas. Mas esse constitui outro dos aspectos radicais do livro.
Correio da Manhã
28/12/1971