"Como um segredo ditto no ouvido de um homem do povo caldo na rua"
Drummond: "Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin"
Se surgisse a pergunta de quando nasceu a poesia brasileira, ela seria pertinente, se em lugar de critérios meramente geográficos viéssemos a nos ater à apreensão do instrumental idiomático (da língua) na perquirição da linguagem (sistema de código). Drummond representou as duas vertentes: usou a língua e meditou sobre a linguagem ("Aporo" ou "Oficina Irritada"). Depois, nas estrias do sucesso polêmico da poesia concreta, haveria de fazer aquele livro, "Lição de Coisas", onde utilizava a técnica de repetição de palavras e o espacejardas mesmas. Silente, mas atento a tudo.
Antes do modernismo, havia de tudo, grandes obras e talentos, porém sob o estigma internacional. O único puramente brasileiro era o nosso Augusto dos Anjos. Gregório de Matos havia sido um belo barroco e Sousândrade e Kilkerry só foram devolvidos à deyida divulgação na década de 1960, graças a Augusto e Haroldo de Campos.
Veio 22 e, aí, existiam Mário e Oswald de Andrade, Luis Aranha e o também grande Manuel Bandeira. Chegou, então Drummond e realizou a síntese. Foi de tudo: hermético e participante, lírico e satírico, crédulo e desconfiado. A sua obra foi casta e vasta (não tinha o rigor de um João Cabral de Melo Neto, seu descendente por uma das "águas"), Universal e provinciano (no bom sentido), possuía o salutar dom da dúvida. Tanto no "vers libre", como no rigor do metrônomo, sintetizou o "Poeta Nacional". Distanciamento vivencial: não dava bola a nada, não puxava o saco de ninguém – recusou-se sempre a fantasiar-se de acadêmico.
No meio do caminho
E ficaram poemas inesquecíveis. Aquele, de início, que colocamos como epígrafe deste depoimento "Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin" é melhor, nitidamente melhor, do que ao maior artista do século fizeram um Aragon em um Maiakówisky. E, quem quiser, com bom senso, releia como "Quadrilha", “Soneto da Perdida Esperança”, "Elegia 1938", "O lutador", "José”, "Procura da Poesia", "A Flor e a Náusea" (este, em nossa opinião, seu maior poema), "Morte no Avião", "Telegrama de Moscou", "Desaparecimento de Luiza Porto", "Composição", "Confissão", "Tarde de Maio", "A Mesa", "A Máquina do Mundo", "Relógio do Rosário”, "Massacre" ou "Isso é Aquilo" denotam um criador de estirpe altamente pessoal.
Restaria mencionar a famosa "pedra no meio do caminho" – marco sintético-metafísico de uma inteligência que mirava o processo do infinito a partir de um dado concreto. Assim era Carlos, o homem de Itabira que mirou os seus e o mundo a partir daquilo que se entendia como "emotion recollected in tranquility".
Hoje, para nós, ecólogos ou não ecólogos, resta a esperança que deixou: a flor que nasce do asfalto.
Folha de S.Paulo
23/08/1987