jlg
literatura

  rj  
Para a poesia basta meia palavra

Em 1967, o poeta José Paulo Paes Iançava suas Anatomias, sendo que alguns dos poemas lá constantes já haviam sido publicados no revista Invenção. Eru um livro marcante, com várias pílulas antológicos, o registro original, sintético, eficiente, do humor - qualidade essencial de uns poucos .

Ediçã da Cultrix, retorna ele, este ano, com Meia Palavra. Trata-se de uma espécie de prolongamento do outro volume citado . O título já indica tudo: meia palavra quer dizer capacidade telegráfica, o antidesperdício em fraseados redundantes, onde a pesca de pedras de toque representa um esforço ingrato. Se a poesia é feita com palavras (e, hoje em dia, quando os preconceitos de ser apenas arte verbal vão sumindo em favor da poiesis, o fazer inaugural, nem precisa delas), por que não com meia palavra? Se a metade basta como substância, meta de formulação?
José Paulo Paes não é, entretanto, apenas isto (o corte da palavra): utiliza vários elementos da verdadeira poesia moderna inaugurada pelo
Lance de Dados, de Mallarmé, ou seja, a fragmentação, a especialização, a multiplicidade tipográfica, a ilustração fotográfica, a repetição fisiognômica ou expressionista. E, quando maneja o velho verso, mostra-se o grande especialista do epigrama. Em suma, uma criatividade instigante, um convite à inteligência, ao riso sob diversas roupagens.

Basta sobrevoar descontraidamente as páginas de seu livro e encontrar várias modalidades de, sem pretensões à genialidade ou grandiloquência, focalizar o problema poema. Num deles, por exemplo, o título é maior do que o que seria o texto do poema em si: o primeiro reza "O Vagido da Sociedade de Consumo"; o segundo resume-se à manjadíssima expressão latina, consummatum est! Humor certeiro diante de uma questão altamente “conjuntural", quase universal como querem economistas, socióiogos estruturalistas etc. etc..
Em seu Metaléxico, montagem de palavras compostas por aglutinação, ensejando sátira frontal atual, a um processo (melhor dizendo, desprocesso): "economiopia/ desenvolvimentir/ utopiada/ consumidoidos/ patriotários/ suicidadãos". Síntese e sátira tipográfica num poema pílula, como a Minicantiga D'Amigo; com somente duas palavras: "coyta/ coyto".
Já o Camassutra consuma um desdobramento espacial, óbvio, porém funcional, dos pronomes ele e ela, em deslocações e posicionamento fisiognômico, até o signo final das letras I. Outra das melhores coisas do livro é o Pascal Pret-à-Porter e/ou Le Tombeau de Mallarmé. Aqui, desencarta-se a página, surge uma folha quatro vezes maior, onde, de um lado, no fundo negro, em corpo mínimo, letras brancas, no canto inferior direito, lê-se a conhecida frase, "le silence eternel de ces espaces infinis m'effraye", e, no outro lado da folha, agora em fundo branco, letras negras, mesmo corpo e localização, lê-se "le vide papier que la blancheur défend". Essa admirável conjunção Pascal/ Mallarmé, em termos de infinito, conjugação do preto/ branco, carregada de significado, pode ser apenas uma criação para iniciados (agravada pela língua
francesa), mas talvez seja a melhor coisa de Meia Palavra - um poema que honra o saber e a sensibilidade do autor. E não se dizia, por aí, que a poesia é prá poucos...?
Metassoneto ou o Computador Irritado, com o famoso abecedário rimário, sem sequer meias palavras, traduz a codificação crítica de uma forma, do lugar comum; ainda há lugar para o soneto? pode haver, mas é urgente fugir ao tatibitati. Nada de bla-bla-blás .
Enfim, a última peça deste volume - sempre com o tonus crítico - a mostrar o dinâmico manejo do verso pelo autor e que por ser um dos raros mais legíveis destas plagas, merece uma transcrição em destaque:

Termo de Responsabilidade

mais nada
a dizer: só o vício
de roer os ossos
do ofício

já nenhum estandarte
à mão
enfim a tripa feita
coração

silêncio
por dentro sol de graça
o resto literatura
às traças!

Foi dita meia palavra. Nada da rococouquidão de vates ensarilhados em delícias tais, como carreirismo literário, "participação", estruturalismo, espontaneidade compulsiva, projetos de auto-obituários, fardões, mesas de bar ipanemense, colchões de musas menos prevenidas, pompas universitárias no tom do diluidor Greimas, underground grãfino, viagens, uísque, salgadinhos etc. José Paulo Paes é simplesmente poeta.

Correio da Manhã
11/02/1974

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

165 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|