Neste mesmo período, aqui, como em muitos outros países, pouquíssimos tinham conhecimento dos inovadores sistemáticos mais importantes que haviam surgido para a crítica neste século. Havia, sim, pelas imediações, um livro - Russian Formalism, de Victor Erlich, (de uns anos para cá, reeditado) - porém era, privilégio e conhecimento de uns outros poucos. Depois, quando - via T. Todorov (Théorie dela Littérature) - os franceses tomaram conhecimento do assunto, as universidades se agitaram. Por coincidência, as velhas paredes das nossas faculdades começavam a ressoar a onda linguística, estruturalista e semiológica - e a salada atual começou. Hoje, mistura-se Jakobson, Lévy-Strauss, Peirce, Chomsky com a turma das agora insuportáveis Editions du Seuil (o 1º e grande foi Roland Barthes). Pronto: ouve-se qualquer gato cantar e fabrica-se um elefante branco. E quando essa gente, especificamente, abeira-se da ária da criação do texto, relembramos o ABC of Reading. Era, sim, necessário, um novo Ezra Pound, com as suas lâminas de biologista.
A morfologia
Realmente, alguns exemplos do formalismo russo em ação mostravam uma espécie de feliz cisão entre uma determinada visão estética e o pragmatismo criativo de quem tem o talento para encarar o objeto. Aliás, Ezra Pound foi justamente o maior crítico pragmático, de poesia, pelo menos neste século, assim como, aqui no Brasil, também o foi Mário Faustino. Hoje, ao nos determos no tatibitati amparado em parafernália terminological de alguns estruturalistas ou pseudo-seguidores do formalismo, semiologia etc., respiramos fundo e, tranquilos, achamos melhor voltar à leitura das biografias.
Morfologia do Macunaíma, de Haroldo de Campos – volume da coleção Estudos, da Editora Perspectiva - constitui a negação esmagadora desse tatibitati. É a coisa mais completa - no sentido da crítica e interpretação do texto - que se escreveu, em livro, sobre Macunaíma ou, talvez, sobre algum outro romance brasileiro. Óbvio, enfim: Haroldo leu os autores que cita... Depois da emergência dessa Morfologia (exemplar e altamente recomendável ao nível universitário, consoante a atual tendência), quem tentar entrar
na mesma senda, sem estar com a armed vision, só terá e dará pesadêlos.
A análise
Pois o crítico é um devassador de possibilidades de processos. E todo grande crítico, quando devassou uma, sai para outra e nunca permanece na mesma batida. Por exemplo: quando Roman Jakobson dissecou exaustivamente as hipóteses significantes de um poema de Fernando Pesooa e de outro de Baudelaire (a aula que ele, há alguns anos, aqui realizou, na Faculdade de Letras da UFRJ, graças a uma grande iniciativa, ficou famosa), não estava agitando nenhuma sineta pavloviana. Não estava querendo dizer que todos os poemas, de agora ou de antanho, teriam de ser analisados daquele modo. Mesmo porque, se fosse tal, a história da literatura teria parado há, quem sabe?, dois mil anos. E nem Pessoa e, muito menos o dionisíàco Baudelaire, poderiam ter previsto todos aqueles efeitos, elementos, relações etc. apontados por Jakobson. Caso contrário, só teriam vivido o tempo de, no máximo, fazerem meia-dúzia de poemas. O crítico e linguísta desejou somente, de uma vez por todas, liquidar com as comendas conteudísticas. E, en passant, sem precisar entrar no assunto, demonstrar como, sem falar no irrecuperável Lukacs, toda a crítica marxista é reacionária. Ou seja, profundamente inútil.
O objeto
Por isso também, quando, aqui, os diluidores, os arrivistas, os deslumbrados (com as revistas Langages, o Greimas, as edições du Seuil debaixo do braço) aterrissarem no Macunaíma (ou qualquer romance), Haroldo de Campos estará noutra. Os que lêem muito sobre crítica, quando vão exercê-la, muitas vezes, nunca tiveram tempo de ver o objeto. E, não o vendo, não sabem que ele, geralmente, é muito mais simples ou diferente do que as críticas dos seus pseudo- observadores. Exemplo: nos Essais de Semiotique Poetique, editados, na Larousse, pelo A. J . Greimas, há um estudo muito complexo sobre a sistemática das isotopias. O autor faz os números, quadros sinóticos, horizontais e verticais, correrem prá cá, prá lá em torno do poema Salut, de Mallarmé. Só não conseguiu ver-mostrar, na selva selvagem de instrumentos, a coluna da palavra vers (auto-referência do verso) que se consiste na chave de estrutura óbvia do mesmo poema.
E o fla-flu eixo sintagmático x eixo pradigmàtico prosseguirá, solene, à margem do processo. Antigamente, o estilo era o homem... Hoje, ficou feio dizer isso. O estilo é o computador (segundo consta).
Correio da Manhã
03/09/1973