Ainda nesta semana, foi possível rever na TV Educativa o Teatro Cacilda Becker, com a grande atriz brasileira, interpretando Inês de Castro, através de uma filmagem realizada em 1968. Lá está Cacilda com a sua classe absoluta, a sua grande contenção a fim de evitar os possíveis exageros vinculados ao drama e Mauro Mendonça muito bem, evitando os escorregões do papel ultradramático de Afonso IV.
Isso traduz um dos grandes benefícios do filme como meio principal de registro que temos no século. Desaparece a emoção em torno da expectativa da performance, mas ficamos com a mesma emoção da documentação: aquela Inês de Cacilda Becker sera sempre a mesma Inês da mesma Cacilda.
Está em foco o problema da performance. Os objetos estéticos podem ser divididos entre aqueles que necessitam ou não de um intermediário com o público, a fim de produzirem seus efeitos, Trata-se do que, genericamente, se entende como execução. Se, de um lado, as artes plásticas (pintura, escultura, gravura, desenho etc), o filme e a literatura prescindem de executor de intérprete, ou seja, a obra entrega-se de pronto, de outro, ocorre o contrário, como é o caso da dança, do teatro e da música, a exigirem a intermediação do mencionado intérprete. Enfim, há o suspense do que será a performance do dia: dará o tenor o dó de peito? manterá a bailarina aquela ponta durante tantos segundos? saberá fulano, no papel X ou Y, emitir o grito na hora precisa? estarão afinados os violinos? E no dia seguinte, estarão melhor ou pior?
Aí intervém o ciclo de consequência da era da reprodutibilidade em massa. O filme (sejá fotografia, cinema ou mera copiagem) e os discos e fitas de gravação perpetuam performances. Perpetuam as intermediações, a eventual ascendência do citado intérprete.
E é sobre isso que trabalha a televisão. Sobre a quase eternidade do documento. Aí então é que pode começar a mudar o conceito de "arte", que, na observação de Décio Pignatari, é, hoje, mero "preconceito cultural".
Última Hora
07/10/1983