Soneto
Sainte-Beuve
Não ria do soneto, ó crítico em humor;
outrora por amor o fez o grande Shakespeare;
nessa lira feliz, Petrarca só suspira,
e Tasso nos grilhões mitiga um pouco o ardor.
Camões em seu exílio abrevia uma via,
pois do amor, seu império, em soneto ele aspira.
ama Dante essa flor de mirto e a respira,
mescla-a aos louros que cingem a fronte de guia.
Spencer ao retornar dessa ilha das magias,
exara em mil sonetos as tristezas pias;
Milton, cantando os seus, reilumina seu olhar.
Renovarei o doce sonelQ~a França;
du Bellay, o primeiro, o trouxe de Florença,
e sabe-se mais de um desse velho Ronsard.
Antéros
Gérard de Nerval
Perguntas-me por que no peito tal furor
Sobre o colo dobrado, o espírito indomado;
É porque pela raça de Anteu fui talhado,
E devolvo estes dardos ao deus vencedor.
Sim, sou um dos que inspiram esse Vingador,
Ele marcou-me a fronte com lábio irritado,
Na palidez de Abel, assim! ensanguentado,
Eu tenho de Caim o implacável rubor!
Jeová! último, vencido Jor tua mestria,
Do fundo dos infernos, grita: "Ó tirania!"
Será meu avô Belus ou meu pai Dagão...
Jogaram-me três vezes em água em Cocito,
E eu só a proteger a mãe, Amalecita,
A seus pés planto os dentes do velho dragão.
A arte
Théophile Gautier
Sim, a obra sai mais bela,
Se, em forma que remata,
Rebela,
Mármore, esmalte, verso, ágata.
Nada de penas falsas!
Mas para andar direito
Tu calças,
Musa, um coturno estreito.
Despreza o ritmo cômodo,
Como um sapato grande,
Do modo
Que todo pé deixe e ande!
Escultor, ao degredo
A argila que entretém
O dedo,
Quando a alma ondula além;
Luta com o carrara,
E com o paros duro
E raro,
Guardas do perfil puro;
Tira de Siracusa
Bronze onde firmemente
Se acusa
Traço ufano e atraente;
Com a mão de uma gata
Persegue por um fio
De ágata
De Apolo o seu perfil.
Pintor, deixa a aquarela
Para fixar a cor
Singela
No forno esmaltador.
E faz da azul sereia,
Que a cauda em cem versões
Serpeia,
O monstro dos brasões.
Na auréola de três lóbulos
A Virgem e Jesus,
O globo
Mantendo acima a cruz.
Tudo passa. A arte robusta
Só para a eternidade;
O busto
Sobrevive à cidade.
E uma medalha austera
Que acha um trabalhador
Na terra
Mostra um imperador.
Os próprios deuses morrem,
Mas os versos reais
Transcorrem
Mais fortes que os metais.
Lima, esculpe, cinzela;
Que teu sonho fluente
Se sele
No bloco resistente!
Correspondências
Charles Baudelaire
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam sair às vezes palavras confusas:
Por florestas de símbolos, lá o homem cruza
Observado por olhos ali familiares.
Tal longos ecos longe onde lá se confundem
Dentro de tenebrosa e profunda unidade
Imensa como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se transfundem.
Perfumes de frescor tal a carne de infantes,
Doces como o oboé, verdes igual ao prado,
-Mais outros, corrompidos, ricos, triunfantes,
Possuindo a expansão de um algo inacabado,
Tal como o âmbar, almíscar, benjoim e incenso,
Que cantam o enlevar dos sentidos e o senso.
Um alegre cabaré
Na estrada de Bruxelas a Uccle
Charles Baudelaire
Você que adora os esqueletos
Mais os emblemas detestados,
Tempera voluptuosidades,
(Fossem os simples omeletes!)
Velho faraó, Monselet!
Frente a tal figura imprevista,
Eu sonhei com você: À vista
Desse cemitério, Café.
O arenque defumado
Charles Cros
Era uma grande parede branca - nua, nua, nua,
Diante da parede uma escada - alta, alta, alta,
E, no chão, um arenque defumado - seco, seco, seco.
Ele vem trazendo com as mãos - sujas, sujas, sujas,
Martelo pesado, um grande prego - pontudo, pontudo, pontudo,
Um novelo de barbante - grosso, grosso, grosso.
Então ele sobe pela escada - alta, alta, alta,
E finca o prego pontudo - toe, toe, toe,
No alto da grande parede branca - nua, nua, nua.
Ele abandona o martelo - que cai, que cai, que cai,
Prende no prego o barbante - longo, longo, longo,
E, na ponta, o arenque defumado - seco, seco, seco.
Ele desce de novo da escada - alta, alta, alta,
Leva-a com o martelo - pesado, pesado, pesado;
E depois se vai - longe, longe, longe.
E então o arenque defumado - seco, seco, seco,
Na ponta desse barbante - longo, longo, longo,
Lentamente se balança - sempre, sempre, sempre.
Eu escrevi esta história - simples, simples, simples,
A fim de enfurecer as pessoas - sérias, sérias, sérias,
E divertir as crianças - leves, leves, leves.
Poetas franceses do século XIX
20/12/2013