Parece que os tempos atuais estão conferindo à palavra fiscal um atrativo substancioso, uma densidade toda peculiar. Seria o "abre-te sézamo" da fortuna - no mínimo um título que impõe respeito aos comuns mortais. E, para muitos, entrar no métier não implica em concursso público do DASP ou em envergar o pistolão clássico, brasileiríssimo.
Foi essa a filosofia que - "de repente, não mais que de repente" - assaltou ao soldado da Polícia Militar, lotado no 6º Batalhão da PM, à Rua Barão de Mesquita, Eduardo Orlando Corrêa de Miranda. Mas, para ser fiscal, em lugar da farda, é necessário circular em trajes civis. E lá foi ele, a paisana, até a Rua Uranos, 515, onde se localiza uma fábrica de roupas. Imponente, penetrou no recinto da fábrica, munido, evidentemente, dos conhecimentos da nova legislação relativa à apreensão de mercadorias e rigorosa punição para os fabricantes e comerciantes infratores. Estarrecidos, o sr. Olímpio José da Silva, proprietário, e seus empregados, ouviram-no declamar fulminante parecer, onde apontava várias irregularidades do funcionamento da firma, como falta de notas fiscais ou de marcação de preços. Enquanto isso, a tradicional curiosidade carioca já formara um aglomerado na porta do estabelecimento.
Mas, na hora em que o fiscal iria dar o lance decisivo para o seu início da carreira - lance esse que poder-ia ser um "lavre-se a multa" (com pagamento imediato e sem recibo) ou um ciciar de "me suborna que eu te perdôo" - entra em cena o detetive Nélson Francisco Chagas, da Invernada. O detetive estava de folga, mas sentiu-se atraído pelo ajuntamento de populares que se deleitavam com o show de eficiência autoritária. Não se impressionou com os eflúvios mágicos que a palavra fiscal descerrava sobre o auditório: verificou a falsidade do título e deu voz de prisão ao PM. Este, num último lance, tentou ainda ameaçar o detetive. Em vão. Foi levado para a 21ª DD, onde o comissário Damasceno mandou autuá-lo em flagrante e, depois, solicitou a escolta de sua corporação.
Só existe uma atenuante muito leve: o espertalhão fracassado encontrava-se desarmado, pois devia estar confiando tão-somente na sua lábia e pendores histriônicos. Vítima da "dureza" e da auto-suficiência: sonhou ser fiscal e joi fisgado.
Correio da Manhã
14/01/1969