Indivíduo imundo e maltrapilho atravessou a rua, em ziguezague no meio do trânsito intenso, chegou até a outra calçada e dirigiu-se à padaria. Hora de movimento intenso de fregueses. Entrou inopinadamente no recinto, assustando algumas pessoas, dirigiu-se ao balcão, desferiu um pontapé no vidro protetor e apanhou uma imensa bisnaga. Isto feito, bateu violentamente com a própria bisnaga de pão na cabeça de um dos empregados da padaria que tentou segurá-lo e, enquanto o rapaz tombava tonto, disparou até o meio-fio. Ali, no momento, passava, distraído, um ciclista que também foi derrubado por ele, mediante novo pontapé. Incontinenti, ergueu a bicicleta do outro, montou nela e se mandou com a bisnaga debaixo do braço. Nessa altura, começou a ser seguido por um carro da radiopatrulha, mas, logo no primeiro cruzamento, infiltrou-se com a bicicleta entre os veículos parados diante do sinal vermelho, derrubou dois pedestres, enquanto a RP era obrigada a frear ruidosamente atrás de um ônibus. Eufórico de velocidade, fez a bicicleta dobrar na primeira rua à direita, depois na primeira à esquerda, enfrentou um declive de paralelepípedos e chegou a um terreno baldio. Lá, então, tomou fôlego, e deu a primeira dentada na bisnaga. Mal deu a segunda e ouviu uma sirena. Sempre com a bisnaga sob o braço, e deixando a bicicleta abandonada no chão, pulou um muro e caiu dentro de um galinheiro. No meio do rebuliço, voltou a escalar o muro, tendo, antes, atirado para o outro lado não só a bisnaga, mas, também, uma galinha que pegara pelo pescoço. Depois de avançar no terreno baldio adentro, e de atingir uma pequena elevação, pode reparar que o ruído da sirena não era da RP e sim de uma ambulância. Suando, mas tranquilo, sentou-se no mato, acabou primeiro, de torcer o pescoço da galinha e, enfim, começou a devorar o pão em paz. Já escurecia, quando iniciou a segunda operação: juntou pedaços de jornal e galhos secos, tirou do bolso uma caixa de fósforos, ensebada, acendeu um dos palitos restantes e, ao passo que o fogo crepitava, começou a depenar a galinha. Atirou-a na fogueira, guardou num dos bolsos do paletó rasgando as penas maiores, e corneçou a agitar o corpo do bicho dentro do fogo com um pedaço de cabo de vassoura. Mas, as chamas alastraram-se incontrolavelmente, o terreno ficou todo clarão e os moradores da rua viram um indivíduo envolto em fogo sair do mato, com uma coisa dependurada numa das mãos, subir a ladeira e atirar-se, em desespero, sobre uma poça d'água. Sirenas; e, quando os bombeiros chegaram, as mangueiras varreram um naco de gente e restos de galinha.
Correio da Manhã
19/01/1969