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Xerloque da Silva

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A luta conjugal

''Vou traí-lo de véu e grinalda!"
Claudionor, solitário, recostado na cama de casal, enfurnado em seu pijama listrado de alamares azuis, lembrava-se obsessivamente da frase que sua mulher lhe jogara na cara, há alguns meses atrás.
Era um daqueles sujeitos que, embora vivendo numa cidade cosmopolita, ainda se julgava obrigado a ficar preocupado com as atividades sexuais da esposa fora do lar. Ali estava, agora, fumando no quarto, às três da manhã, enquanto aguardava a volta de Betty. E sobrevinha-Ihe aquela consideração vulgar: "Pior do que a pior verdade, só mesmo a dúvida." E, de dúvida em dúvida, endividara-se com o desassossego.
Quando a conheceu, ela acabara de ganhar o título de Senhorita Glamour, concurso patrocinado por uma fábrica de refrigerantes. Depois, de bermudas, suspensórios e chapéu de tirolês, agarrara-se a ela num réveillon, e aí começou o namoro. No dia do noivado, quando lhe foi oferecer a aliança de brilhantes, ouviu-a - desconcertado - repetir a velha anedota do japonês sobre o assunto. No dia do casamento, à beira do altar, antes do beijo de praxe, espantou-se ao vê-la sorrir cinicamente, quando o padre iniciou a sua exortação a respeito da fidelidade conjugal. E, logo após, na noite de núpcias, sofreu mn impacto cultural, pois ela afastou-o de perto, não querendo entregar-se, sob alegação de que "o momento é ridículo demais e eu só conseguirei rir''.
Assim, de susto em susto, de surpresa em surpresa, ia cumprindo a travessia matrimonial. Certa vez, ao tentar esboçar uma reclamação contra as atitudes insólitas da mulher, escutou a resposta em tom maternal: "Você precisa ser sofisticado". Pensou que tudo não passava de sofisma, porém não falou mais nada.
Outra coisa que o alarmava era a pequena biblioteca de Betty, onde pontificavam Henry Miller e o Marquês de Sade. Sempre achara que essa história de arte e literatura fosse coisa de mulher (isto é, um passatempo natural de quem deveria ser um ente submisso) ou de efeminados. Ele e seu amigo tinham mania de gozar os tipos "metidos a intelectual''. E, agora, dormia à sombra de Sade nas mãos da amada.
Com o pijama já molhado de suor, tinha passado a dar voltas e voltas olímpicas em tôrno da cama, sempre com a frase fatal na cabeça, quando, de repente, vê aquela figura de véu e grinalda na porta. Incontinenti, atirou-se pela janela e ficou espatifado na calçada.
No dia seguinte, Betty, linda, de luto, recebia os pêsames.

Correio da Manhã
24/01/1969

 
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Correio da Manhã 14/01/1969

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Correio da Manhã 17/01/1969

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Correio da Manhã 22/01/1969

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Correio da Manhã 23/01/1969

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Correio da Manhã 24/01/1969

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Correio da Manhã 25/01/1969

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Correio da Manhã 26/01/1969

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Correio da Manhã 29/01/1969

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Correio da Manhã 01/02/1969

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Correio da Manhã 02/02/1969

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