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Estilo e estilização

Bela Balazs

Nota: Bela Balazs é um dos pioneiros da estética cinematográfica, tendo sido, desde há cêrca de 35 anos, um dos primeiros a fazer crítica de filmes. Estêve presente, portanto, a todos os grandes momentos de evolução dessa arte, tendo, inclusive, tomado parte na realização de algumas fitas, devendo-se lembrar, em especial, que foi o responsável pelo cenário de "Em Qualquer Parte da Europa", admiravel filme de Geza Radvanyl.
Trabalhou também junto a Bela Bartok, como libretista do consagrado compositor.
"Estilo e Estilização" foi extraído de "Theory of the Film", o mais conhecido livro de Balazs no assunto, e considerado por muitos como entre os mais importantes estudos a respeito do cinema.
J. L. G.

O problema da estilização no cinema é excepcionalmente intrincado, em virtude de ter a técnica fotográfica, desde o princípio, determinado a naturalidade não estilizada como princípio básico da apresentação do filme. Mas não existe arte que possa desenvolver seus diversos estilos sem a estilização, havendo, sem embargo, uma diferença entre ambos.
Nós designamos, como estilo, as características formais de tôda a arte. As peculiaridades da personalidade do artista e do seu povo, sua classe e seu tempo, estão inteiramente refletidos no estilo formal da obra de arte. Como não existe obra de arte, na qual a personalidade do artista, a ideologia de sua classe, as tradições de seu povo e as tendências de sua época não estejam até certo ponto refletidas, não pode também haver obra de arte sem estilo, mesmo que êste seja inconsciente ou irrelevante.
É importante, entretanto, que a obra expresse a síntese de tôdas essas influências num estilo unificado - em outras palavras: que o estilo pessoal do artista, de seu tempo e de sua classe e nação sejam todos manifestados na forma de um só. Como acrescentação a isto, toda obra de arte, digna dêsse nome, possui um estilo seu "ad hoc", no qual o próprio conteúdo e a própria tendência encontram expressão. Deve ser também lembrado que os grandes estilos históricos vieram à tona inconscientemente e sem intenções teóricas; nasceram da prática, quase que imperceptivelmente, como simples moda, de início, e apenas posteriormente, quando já tinham praticamente desaparecido, tornou-se possível reconhecê-los como tal, isto é: "estilo de uma época". As vêzes provém de uma falsa noção, baseada em teorias inverídicas, tal como o primitivo estilo da Renascença que era considerado somente como imitação do antigo estilo grego e assim encarado. Ou poderia nascer sob alguma tendência moral destituída de quaisquer idéias estéticas, como, por exemplo, a severa simplicidade do estilo "directoire", uma expressão do espírito puritano da burguesia revolucionária em oposição ao aristocrático "rococo". Se encararmos o estilo como uma característica geral das formas artísticas, o próprio naturalismo, completamente não estilizado, é um estilo: até uma mistura eclética de estilos pode ser um estilo. A palavra em si não implica em nenhuma espécie de julgamento de valor.
A estilização é inteiramente outra coisa. A diferença entre ambos pode melhor ser ilustrada pelo exemplo da literatura. Tôda obra literária - nem precisa ser uma obra de arte - possui alguma espécie de estilo, no sentido de que formula o que tem a dizer de algum modo característico. Mas nem tôda obra literária é estilizada; por exemplo: peças de teatro escritas em diálogo coloquial não são estilizadas, porém tõda a poesia e prosa rítmica o são.
Existe então um contraste mutualmente exclusivo entre obras naturalistas ou quase naturalistas, obras " naturais" e quase naturalistas, obras "naturais" e obras que intencionalmente se desviam do natural, e que são deliberadamente formadas e buriladas ou, noutras palavras, estilizadas. Entretanto, a estilização e o realismo não são mutualmente exclusivos. Existem realistas em grande quantidade entre os poetas, que escrevem em verso. A verdade e suas respectivas leis existentes na natureza podem ser reproduzidas, não meramente por uma servil imitação da mesma, mas, até mais fielmente, mediante uma estilização que exagere e acentue certos aspectos. A apresentação natural pode talvez reproduzir a realidade, porém a imagem estilizada expressa a verdade.
Esse problema interessa-nos agora no que concerne ao filme. É possível a estilização no cinema? Pode a fotografia dar um quadro da vida que corresponderia, digamos, a uma história contada em verso? Em outras palavras, pode tolerar o filme a apresentação do princípio plástico, que não é apenas a mera semelhança com a natureza, mas também lei abstrata de ritmo e forma? É possível fazer que uma pessoa fale em verso no cinema sem causar uma perturbadora contradição entre linguagem estilizada e a não estilizada naturalidade da imagem?
Sabemos que o filme, desde o começo procurou possibilidades de estilização, da mesma maneira que a técnica fotográfica. Os diretores empenharam-se em aprimorar o que deveria ser filmado por intermédio da composição, efeitos de luz, "close-ups", distorção e, principalmente, através da angulação e montagem. As fitas suecas, em especial, procuravam alcançar poéticos efeitos pictóricos. Fritz Lang, Murnau e Robert Wiene, o criador do expressionista "Gabinete do Dr. Caligari", realizaram muitos e belos trabalhos nesse sentido nos dias do cinema mudo, e, na Rússia, Moskvin, o maior pictórico entre os "camera-men ", criou, juntamente com Eisenstein (cujo princípio artístico mais relevante é precisamente a estilização), o mais interessante e, estilisticamente, valioso filme com "Ivan, O Terrível". O conteúdo real dessa demoniacamente monumental sinfonia pictórico-musical, não é a história de Ivan, o Terrível, mas sim a revelação do que existia de aterrador no espírito e na superstição do gótico medieval, mediante quadros que são como velhos ícones revivificados. Nesse filme, a estilização alcançou um ponto culminante.
Existe algo, contudo, que "sempre" requer a naturalidade na película e que não suporta a estilização. Isto não se aplica a formas, que sempre foram estilizadas com sucesso, porém ao movimento. No palco, nós aceitamos e, muitas vêzes, nem reparamos os gestos artificiais dos atores. O mesmo ocorre no cinema, se virmos as figuras como no teatro, isto é, por um "long-shot", à distância. Muito estranhamente, torna-se intolerável, entretanto, se um ser humano, que vemos num "close-up", isolado do ambiente, move-se sem naturalidade. Uma exceção a esta regra é a dança, já que nela a falta de espontaneidade dos movimentos é propositada. Num "long-shot" a figura é ajustada à montagem visível e seus movimentos estilizados estão concordes com o estilo de todo o quadro. Nós aceitamos uma linha destoante se esta fôr contra-balançada por outra semelhante, no outro lado do quadro. Mas, se uma figura ou uma face está de tal forma próxima de nós, não sendo mais componente de uma composição maior, e se nela então enxergamos o menor detalhe no jôgo fisionômico, na curva do lábio, no estreitar de um ôlho, êsse quadro, inteiramente natural da microfisionomia (que não é passível de estilização), sendo, em tal caso, uma estilização desprovida de naturalidade do equilíbrio da cabeça, da gesticulação das mãos, do movimento dos pés, formará uma desagradável impressão no espectador, ou o transportará ao cômico. A estilização dos contornos contradiz a verdade natural dos detalhes interiores.
Isto explica porque o filme é difícil de ser estilizado. A microfisionomia do "close-up", com o jôgo íntimo das feições, não é susceptível a tal e, no entanto, constitui a verdadeira essência de uma fita. Os "long-shots" mais admiravelmente estilizados são desmascarados pela vivacidade intimista do "close-up". Descerra-se a máscara, e o ser humano aparece por detrás dela. Por isso também é que não se realizam filmes em verso, pois a linguagem, assim controlada, dá a impressão de contradizer o movimento natural de uma fita, mesmo que esta seja estilizada.
A questão, naturalmente, não é levantada no que se refere ao desenho animado. Nesse caso, pelo contrário, a completa naturalidade é quase que totalmente desusada, e a estilização, que constitui um corolário indispensável para a técnica do desenho, determina todo o estilo da película. Se o desenho fala em verso, ninguém estranha.
Como é possível então que acertemos o filme cantado, isto é, a opereta e a ópera? A razão é de que o canto se constitui numa função natural dos seres humanos e, graças a Deus, nós podemos ver e ouvir gente cantar em todo lugar, ao passo que muito raramente podemos mesmo ouvir alguém recitar um poema. É totalmente improvável que qualquer pessoa fosse discutir assuntos concernentes à sua vida diária, através de diálogos rimados ou ritmados. Quando vemos e ouvimos um filme operístico, sabemos que se trata de uma representação artística, em nada ligada
à natureza.

Jornal do Brasil
14/04/1957

 
Cinco poemas
vários autores Grandes poetas da língua inglesa do século XIX

Introdução, argumento e cap. I
Stéphane Mallarmé Igitur ou a loucura de Elbehnon

Canto I
Ezra Pound Os cantos

Canto II
Ezra Pound Os cantos

Canto III
Ezra Pound Os cantos

Alguns princípios básicos de cinematografia
Sergei Eisenstein Jornal do Brasil

Estilo e estilização
Bela Balazs Jornal do Brasil

Métodos de montagem
S. Timoschenko Jornal do Brasil

A poesia do filme
Roger Manvell Jornal do Brasil

Dois poemas de Ezra Pound
Ezra Pound Jornal do Brasil

Observações sobre o cinema
Susanne K. Langer Jornal do Brasil

O princípio cinematográfico e o ideograma
Sergei Eisenstein Jornal do Brasil

O princípio cinematográico e ideograma - parte II - conclusão
Sergei Eisenstein Jornal do Brasil

Historieta do Sonho ao Ar Livre
Federico Garcia Lorca Jornal do Brasil

Retrato de uma dama
William Carlos Williams Jornal do Brasil

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