Lament of the Frontier Guard constitui uma tradução livre de Ezra Pound, incluída no Cathay, publicado em 1915. Pound realizou as suas versões do chinês, na época, de Rihaku (Li Tai Po), baseado nas anotações de Ernst Fenolosa (o filólogo, autor de obra sobre o princípio do ideograma e que iria influenciar radicalmente a concepção estética do autor dos Cantares, condicionar, por analogia, esta série de poemas). Além disso, nos trabalhos de decifração de texto feito pelos Professores Mori e Ariga.
Um dos principais e mais eficazes aspectos das atividades criativas de EP foi justamente o de tradutor; mas, nunca, um tradutor no sentido vulgar, de reproduzir meros níveis semânticos. Sabia que traduzir era trair, recriar, proporcionar, em outra língua, os efeitos do original . Por isso, também, os seus livros (sem falar em trechos dos Cantares) estão cheios de poemas à moda de, que já configura um meio-caminho entre a tradução e a autoria convencional.
Neste sentido, à "sua moda", verteu para o inglês a poesia chinesa. E foi também assim que, nesta última, encontrou uma das fontes daquilo que viria a denominar de fanopéia, ou seja, o modo a classificar os poemas que se manifestam, principalmente, através da imagem. lmagism: não a mera - descrição estática, porém o phanos dinâmico. Era um elemento típico da poesia oriental.
Lamento do Guarda da Fronteira - do qual procuramos extrair uma versão para o português, da versão poundiana - mesmo sob a estrutura da linguagem ocidental e latina, ainda evidencia a riquesa de sua concepção, de uma forma mentis projetando-se através de uma montagem (sintaxe analógica) das imagens, embora, nas versões, absorvida em parte pela sintaxe tradicional.
Em paralelo, o modo peculiar de enquadrar à miserabilidade, a negação das guerras, afinal um tema ainda tão pertinente à atualidade (e seria curioso notar que, no ocidente "cristão", alguns trovadores, entre os quais o grande Bertrans de Born, cantavam o prazer da guerra - "este sul já fede a paz" ou "música, música, não há som como espadas às espadas se chocando"). Na primeira pessoa, a narrativa do sentinela, naquela expectativa a possuir algo de premonição do absurdo existencial.
Lamento do guarda da fronteira
No Portão Norte, cheio de areia, o vento sopra
Solitário, da origem do tempo até agora!
Caem árvores, amarelece a grama no outono.
Torres e torres escalo
Para divisar a terra brava:
Assolado castelo, o céu, o largo deserto
Não sobrou nenhum muro nesta aldeia.
Esqueletos embranquecidos na geada
Cumes altos, cobertos de árvore e capim.
Quem trouxe a passagem disto?
Quem trouxe a flamante fúria do lmpério?
Quem trouxe o exército com tambores e tímbalos?
Reis bárbaros.
A primavera suave tornou-se outono de sangue
Uma onde de guerreiros espraia-se reino adentro,
Trezentos e sessenta mil,
E tristeza, tristeza como chuva.
Tristeza no partir e tristeza, tristeza retornando.
Desolados, campos desolados,
E nenhum rebento da guerra neles resta,
Nem mais os homens de ataque e defesa.
Ah, como saberás da sombria tristeza no Portão Norte
Com o nome de Rihaku esquecido
E nós, sentinelas, para pasto dos tigres.
nota e tradução José Lino Grünewald
Correio da Manhã
27/11/1972