Que te pode doer, pobre diabo
Só em desalento vagando;
Os cíperos vêm secos desde o lago
E nenhum pássaro cantando.
Que te pode doer, pobre diabo
Tão triste, tez desfigurada?
Cheio o celeiro do esquilo
E a colheita consumada.
Vejo um lírio em tua frente
Em angústia e febre orvalhado;
E na face uma rosa lânguida
Que já em breve também terá murchado.
Uma Dama nos prados encontrei
Formosa em plenitude, filha de fada
De longa cabeleira, leve o pé
E era de fera a sua fé mirada.
Pousei-a em meu corcel a passo
E durante esse dia mais vi nada
E do lado inclinada ela pendia
E uma canção cantou de fada.
Uma grinalda fiz para a cabeça
E bracelete e laço perfumado
E como se me amasse me fitou
E suave lamento foi lançado.
Sumo de orvalho, mel agreste e essências
De ameno sabor me regalou
E com certeza em língua estranha,
Eu te amo, declarou.
Para a sua gruta encantada me levou
E lá bem suspirou profundamente
E lá cerrei seus feros tristes olhos
Assim beijados, dormentes, dormentes.
E lá bem me embalou até o sono
E lá sonhei - Ah, mala sina
O último sonho que jamais sonhei
Nesse lado frio da colina.
Pálidos reis eu vi e também príncipes
Guerreiros pálidos, na lividez da morte
Gritando: “La belle Dame sans mercy
Tem-vos serva a sorte".
Vi seus lábios à míngua no crepúsculo
Greta agourenta grande e bem ferina
E despertei aqui me achando
Nesse lado frio da colina
E eis porque passo por aqui
Só em desalento vagando,
Embora os cíperos secos desde o lago
E nenhum pássaro cantando.
Folha de S.Paulo
26/12/1986