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Freire Júnior: tempo de serenatas

O Rio em tempo de serenata. Foi uma época bem característica: voz, violão e vitalidade romântica. Um dos mais inspirados ou inspiradores dessa época: Freire Júnior, o homem de Paquetá, o homem do "Luar de Paquetá", com a letra sempre lembrada do poeta Hermes Fontes. Era a época em que as músicas ainda se intitulavam modinha, tango-fado, cançoneta, polca, schottish. Freire Júnior também brilhava no carnaval, quando inclusive, no período do presidente Arthur Bernardes, fez a famosa "Ai, Seu Mé" ("Ai, seu Mé / Ai, seu Mé / Lá no Palácio das Águias, olé / não hás de pôr o pé"), que lhe motivou entradas na prisão. Depois, em 1926, em lugar da crítica, a propaganda, com o não menos famoso "Seu Julinho Vem", em prol da candidatura Júlio Prestes. O teatro de revista foi, também, outro foco de grandes atividades para o compositor, tendo, além desta, desenvolvido no âmbito da ribalta as atividades de scripter, empresário e diretor de produção. Deixou vários êxitos marcados, inclusive, há pouco mais de dez anos, a revista "Eu Quero Sassaricá", grande êxito de público e que lhe valeu uma medalha de ouro como produtor.
Mas o Freire Júnior que interessa principalmente é o compositor e, em especial, todos aqueles gêneros englobados pela idéia de serenata. Ou, às vezes, a valsa: ouvir a velha gravação de Chico Alves, acompanhado pela Orquestra Parlophon, entoando a valsa "Olhos Japoneses": "Olhos pequeninos / olhos japoneses / olhos que ferinos / matam muitas vezes / de paixão a gente / olhos que reluzem / que me põem doente / olhos que traduzem / um amor ardente". É uma das mais bonitas valsas do nosso cancioneiro, com a voz. Do Chico Viola insuperável. Ou então, ainda na valsa, um dos grandes sucessos da patativa, Augusto Calheiros, "Recordar é Viver": "Recordar é viver / diz o velho ditado / recordar é sofrer / saudades do passado / um sonho que viveu / em nosso coração..."
Contudo, a composição que viria a imortalizá-la seria "Luar de Paquetá", com letra de Hermes Fontes. Conta-se, aliás, que foi este último quem, um dia, em 1922, passeando de bote com o compositor, propôs-lhe a homenagem à ilha. Daí, sairia o notável tango-fado, incorporado em definitivo na àntologia do nosso cancioneiro, com o preciosismo do vocabulário de Hermes Fontes ("as nereidas incessantes") e aqueles seus insólitos similes de um pudor primitivo ("Pensamento de quem ama / hóstia azul fervendo em chama". "Luar de Paquetá" transformou-se numa espécie de símbolo romântico para a ilha e a sua melodia é daquelas que se inseriu no subconsciente do povo, daquelas que emergem naturalmente do assoviar distraído, despretensioso. Também com letra de Hermes Fontes, Freire Júnior compôs outro tanga-fado, "A Beira-Mar", menos famoso, mas na mesma linha do preciosismo, de uma espécie de rococo primitivo: "Pela janela da saudade / olhas o mar ao sol poente / e vai morrendo longemente / em seu adeus crepuscular / a voz do mar / e dentre a nebulosidade / a lua em pálido crescente / parece ao meu amor ausente / omni-presente / uma verônica estelar". "Uma verônica estelar", eis um exemplo bem típico dessa imagética popular, em seus suculentos arroubos metafóricos. Mas isso ainda não é nada. Pouco mais adiante, na letra desse tango-fado, Hermes Fontes fala num "coração quebrado em mil carcérulas". Palavra especiosa, do âmbito da botânica. Indo ao "Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa", ficamos sabendo que carcérula é "a cavidade de vários frutos indeiscentes". Assim era Hermes Fontes, mas, "A Beira-Mar" é um bonito tango-fado, e todos podem revivê-lo através do excelente
long-playing, denominado "Serenata", com Orlando Silva cantando Freire Júnior.
Com música e letra do próprio autor, existem outras páginas inesquecíveis: "Malandrinha", grande êxito de Chico Alves: "A lua vem surgindo cor de prata/ do alto da colina verdejante/ a lira do cantor em serenata/ desperta na janela a sua amante/ Ao som da melodia apaixonada/ das cordas de um sonoro violão/ confessa o seresteiro à sua amada/ o que dentro lhe diz o coração/ Ó linda imagem de mulher que me seduz/ ai, se eu pudesse, tu estarias num altar/ és a rainha dos meus sonhos, és a luz/ és malandrinha, não precisas trabalhar"; "Pálida Morena", outro dos sucessos do Rei da Voz: "Beijei a tua boca e adormeci/ sonhei que era feliz junto de ti/ eu vi nos olhos teus linda criança/ a cor que simboliza esperança/ pensei que fosses minha ó ilusão/ julguei me pertencer teu coração/ momentos de prazer e felicidade/ eu tive a sonhar na realidade"; "Deusa", uma das modinhas mais em moda há cerca de trinta a quarenta anos: "Deusa, visão do céu que me domina/ luz de uma estrela que ilumina/ um coração pobre de amor/ teu trovador/ chorando as mágoas ao luar/ vem aos teus pés para implorar/ as tuas graças virginais! consolação e nada mais"; "Santa", lançada por Vicente Celestino na peça "As Manhãs do Galeão": "Santa, sublime amor dos sonhos meus/ santa, eu quero ouvir dos lábios teus/ que és minha só/ minha serás eternamente/ ai, tenha dó/ de quem te ama loucamente/ jura, que só a mim pertencerás/ que sempre pura, tu ficarás/ ó santa, jura". E, assim por diante, vai o acervo de Freire Júnior, com uma das contribuições mais permanentes em seu ramo.
Francisco José Freire Júnior nasceu no Estado do Rio, em Santa Maria Madalena, a 4 de agosto de 1881. Veio bem cedo para o Rio e também, desde cedo, começou a compor ao piano. Mais tarde, estudou na Escola Nacional de Música, enquanto colaborava com os teatrinhos de amadores. No início do século, está terminando o curso de Odontologia e morando na ilha a que iria dedicar a sua composição mais famosa: "Paquetá". Aliás, foi diretor do "Paquetá" Jornal". Em 1917, estreava como compositor de teatro musicado, no Carlos Gomes, fazendo a partitura da revista "Tudo Dança". Dois anos após, lançava-se como autor de peça musical, a burleta "Flor do Mar". Seguiram-se outras e o seu nome começava a se impor, pois vieram as marchinhas carnavalescas e o "Luar de Paquetá", em parceria com Hermes Fontes, em 1922. Em 1926, foi diretor da Odeon, num momento histórico para a música popular, na hora em que Chico Alves, lá, começava a gravar. Mais tarde, foi empresário do Teatro Recreio, depois diretor de diversas empresas: Pascoal Segreto, Beatriz Costa, Ferreira da Silva. A partir de 1944, passou a diretor de produção da Companhia Valer Pinto. Realizou uma série de peças em colaboração com aquele conhecido empresário: "Trem da Central", "Está com Tudo e Não Está Prosa", "Não Sou de Briga", "Nem Te Ligo". Foi, Freire Júnior um daqueles que animaram a velha Praça Tiradentes, até uns dez anos atrás, ponto quase absoluto de convergência do teatro de revista, E assim continuou até o fim da vida. Faleceu a 6 de outubro de 1956, na Casa de Saúde Dr. Eiras.

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