jlg
música

  rj  
Patrício Teixeira: da modinha ao carnaval

A voz de Patrício Teixeira, generosa, vibrante, ajudou a encher um longo período. Hoje, fala-se pouco nele – ou melhor, quase não se fala, embora a sua marca pessoal de interpretação esteja ligada diretamente ao lançamento de grandes páginas do cancioneiro popular. As modinhas, as canções sertanejas, as emboladas e o samba, onde a sua voz veiculou também enormes sucessos do carnaval. Foi um cantor que esteve ligado aos grande conjuntos orquestrais do passado: os Oito Batutas, o Grupo da Guarda Velha, os Diabos do Céu, a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga etc. Varando a sonoridade dos instrumentos, o seu vozeirão desabusado emergia, com aquele silabar aberto, aqueles ataques enérgicos de notas arrojadas, às vezes, mesmo, vencendo a euphoria instrumental na base do berro. E o tempo não corroeu a pujança da voz, a ardência do timbre. Temos um exemplo do terceiro long-playing da Velha Guarda, quando reapareceu em plena forma, revivendo o famoso Azulão, de Hekel Tavares e Luiz Peixoto: “Azulão, vai, vai/ fala com ela que eu morei com ela/ mas dela um dia me separei/ que ainda penso nela/ mas se ela pensa em mim, não sei Azulão/ Se ela estiver chorando/ diz que eu ando, Azulão/ com ela no coração/ Azulão/ Se ela estiver cantando diz que eu tive Azulão/ foi sorte na minha mão/ Diz que eu agora já tenho outra/ que é mais bonita, mais cabocla, mais sertão/ diz que eu não falo, nem penso nela/ diz que eu agora… não diz nada, nada não”. Azulão: o pássaro azul dificilmente encontra melhor deificação de mensageiro danoso do que na voz de Patrício Teixeira.
Nasceu Patrício Teixeira a 17 de março de 1893, na Rua Senador Eusébio. Logo após o primeiro decênio deste século, já começava a pontificar nas serenatas e, mais tarde, fatalmente, foi parar em Vila Isabel, que foi mesmo uma espécie de Weimar na música popular brasileira. Exerceu várias profissões no ramo do comércio, tocava o violão, o instrumento das modinhas e serestas. Começou a graver na Odeon, havendo transitado pela Parlophon e pela Victor, onde brilhou na área do samba. O radio, como também não poderia deixar de ser, foi pore le valorizado.
No período Odeon, vamos encontrar Patrício Teixeira gravando suas modinhas e os sambas e emboladas acompanhado pelos Oito Batutas, integrado por bambas como Pixinguinha, Donga, Jacob, João da Bahiana e outros. Entre as canções e modinhas, acompanhado por violões, às vezes o seu próprio, lá figuram números de Catulo da Paixão Cearense, como “Poeta do Sertão”: “Não há poeta, não há/ como os filhos do Ceará/ se chorar o filho em desafio gemedor/ não há poetas como os filhos do sertão/ sem ser doutor os olhos quentes da cabocla faz a gente ser poeta de repente/ se a poesia vem do amor”. Ou temos a Suplica, de Luiz Moreira: “Pudesse o meu amor/ pra sempre te prender/ meu anjo encantador/ contigo só viver/ que feliz que eu seria…” Com os Oito Batutas, há, em especial, uma gravação a ser destacada. Numa face, Patríco interpreta Eu Não Sou Arara, de Ernesto dos Santos (Donga) (“Eu não sou arara, ai ai eu posso falar…”); na outra, um dos maiores sambas de todos os tempos, Pé de Mulata, de Pixinguinha: “Quando tu entras, beleza/ dançnao no cabaré toda gente fica presa/ na pontinha do teu pé/ Teu pé, mulata, pisa no chão, pisa e maltrata/ meu coração/ Quando passas na avenida/ de manhã ou à tardinha/ há uma fila seguida atrás de ti mulatinha/ Teu pé, mulata, pisa no chão, pisa e maltrata meu coração”.
Na Parlophon, com a orquestra típica de Pixinguinha e Donga, cantou várias peças interessantes. Há o caso do Gavião Calçudo, que já havia lançado na Odeon e que, posteriormente, reeditou no selo vermelho da Parlophon. Trata-se, alias, de um ótimo samba, e um daqueles de mais sucesso da época: “Quem tiver mulher bonita/ cuidado com o gavião/ ele tem unhas compridas/ deixa os maridos na mão…”
E recordar também o fabuloso Samba Enxuto, de Wan Tyl de Carvalho para, ao mesmo tempo, comprovar-se que o termo enxuto hoje muito em voga como giria consagrada, já era bossa da velha guarda, dentro da mesma area semântica: “É um ditado/ eu não discuto/ cabra que é bom/ diz que é enxuto”. Ou então, novamente, Patrício interpretando Pixinguinha, com Onde Foi Isabé (“Onde foi Isabé? Isabé foi votar…”)
Na Victor, antes de haver atravessado as portas do sucesso carnavalesco, lá estava ele com a turma de Pixinguinha, seja no partido alto, Samba de Fato (“Samba do partido alto só dá cabrocha que samba de fato/ só vai mulato, filho de baiana/ e a gente rica de Copacabana/ doutor diplomado de anel de outo/ branca cheirosa de cabelo louro…”), ou com o notável Sa Colombina, que é uma composição em parceria do próprio Patrício Teixeira com alguém que utilizou a pitoresca alcunha de Lulu Flor do Ambiente. Trata-se de uma letra interessante, que não só, através de um processo de montagem, reaproveita, numa refração ritmica, trechos de velhas cantigas (“Eu fui no Tororó/ beber água e não achei…” por exemplo), como também invoca os fatos e cantores, citando Chico Alves, Sílvio Caldas e Murilo Caldas: “O-lê-lê, Sá Colombina o que é meu bem?/ como vai nosso jardim?/ vai muito bem atirei um cravo n’água de mimoso, foi ao fundo os peixinhos responderam…”.
Depois, na Victor, foi o cantor ganhando notoriedade como intérprete de sambas e marchas, alguns deles indiscutíveis sucessos carnavalescos E Foi Assim…, marcha de Lamartine Babo e Alcir Pires Vermelho. Sabiá Laranjeira, samba de Max Bulhões e Milton de Oliveira, Diabo Sem Rabo, marcha de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira: Põe a Roupa no Penhor, samba de Bide e Valfrido Silva, Porteiro, Suba e Veja!, samba de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira: Charlie Chan no Rio, marcha de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira. Pele Vermelha, da mesma dupla, sabendo lembrar um bonito samba de Jardel Noronha e Amado Regis. Você há de Chorar, hoje em dia quase esquecido. “Você há de chorar, chorar/ chorar mesmo de verdade…” Mas, abafando tudo isso, Patrício Teixeira interpretou nesta fase um dos maiores e mais famoso sambas até hoje evocado e cantado, Não tenho Lágrimas, de Max Bulhões e Milton de Oliveira: “Quero chorar/ não tenho lágrimas…” com o notável volteio: “se eu chorasse/ talvez desabajasse/ o que sinto no peito/ eu não posso dizer/ só porque não sei chorar/ eu vivo triste a sofrer”. Vale lembrar que a matriz original desse samba não só foi relançada num dos long-playings da série Reminiscência, criada pela Victor e, em má hora, interrompida, como também Pixinguinha e seu conjunto recriaram-na num outro long-playing.

Discografia

A única discografia de Patrício Teixeira que conhecemos é aquela lançada por Ary Vasconcelos, no Panorama da Música Popular Brasileira. Vamos completá-la, com três gravações onitidas:
1) Poeta do Sertão – canção sertanela – Catullo Cearense
Súplica – modinha – Luiz Moreira
Odeon nº 10.082 – Patrício Teixeira acompanhado ao violão: Patrício e Rogério
2) Gavião Calçudo – samba – Pixinguinha
Bambi Lelê – embolada nortista – Cícero de Almeida (Bahiano)
Parlophon nº 12.916 – Patrício Teixeira com Orquestra Típica Pixinguinha-Donga
3) Onde Foi Isabé – embolada – Pixinguinha
Samba Enxuto – samba Wan Tyl de Carvalho
Parlophon nº 12.917 – Patrício Teixeira com Orquestra Típica Pixinguinha-Donga

Correio da Manhã
21/04/1965

 
Vogeler: resposta do tempo
Correio da Manhã 19/11/1964

Orestes: Poesia e Seresta
Correio da Manhã 16/12/1964

Benedito Lacerda: ou A Flauta de Prata
Correio da Manhã 30/12/1964

Cândido das Neves “Índio”: seresteiro da cidade
Correio da Manhã 06/01/1965

Joubert de Carvalho: o criador de "Maringá"
Correio da Manhã 10/02/1965

Carlos Galhardo: O Homem da Valsa
Correio da Manhã 10/03/1965

Freire Júnior: tempo de serenatas
Correio da Manhã 17/03/1965

Augusto Calheiros: A patativa do Norte
Correio da Manhã 31/03/1965

Cascata: Jorrar de Bossa
Correio da Manhã 07/04/1965

Patrício Teixeira: da modinha ao carnaval
Correio da Manhã 21/04/1965

Eduardo Souto: Manancial de Música
Correio da Manhã 20/05/1965

Heitor: prazer do samba
Correio da Manhã 05/10/1966

Estética do Fado
Correio da Manhã 14/05/1967

Samba: glória do malandro
Correio da Manhã 28/07/1967

Foi um Rio
Correio da Manhã 10/03/1970

20 registros
 
|< <<   1  2    >> >|