"Som e fúria significando nada." Quem, de repente, ligasse sua TV durunte a apresentação do Festival Internacional da Canção, nos últimos dias da semana passada, caso não estivesse prevenido, ficaria na dúvida se aquilo que via no Maracanãzinho era uma première do desfile de fantasias do Municipal ou (ao mesmo tempo) o campeonato brasileiro do barulho.
A song is a song is a song. É difícil imaginar que alguém consiga assobiar a quase totalidade das coisas que atacaram os ouvidos. A rigor, no máximo quatro ou cinco números correspondem à definição de canção, embora o berro predominasse a despeito daqueles que alegam ser Vicente Celestino ou Chico Alves matéria arqueológioa. Mas, se o berro dêstes últimos possuía o suporte da estética melódica, a imensa maioria dos berros e berrinhos do último FIC escorriam ao longo do tatibitati da incongruência. A mediocridade a par com a subexperimentalismo.
Sob o aspecto da expressão cultural com raízes na criatividade realmente popular, o único samba - se não nos falha a memória - que foi escutado deveu-se à composição interpretada por Martinho da Vila, que, aliás, não era nada de especial. Presidindo o júri, estava Paulinho da Viola, autor, entre outras coisas, de Foi um Rio que Passou em Minha Vida - composição, hoje em dia, já antológica dentro de nosso cancioneiro, mas cujo gênero está praticamente interditado à competição, graças à estrutura do Festival Irônico paradoxo: Paulinho da Viola preside o júri - a verdadeira música popular brasileira que êle representa está cortada.
A nossa música popular não está em crise - e jamais qualquer música popular pode estar em crise. A crise é a dos meios de sua divulgação, cuja troca de signos faz com que um festival da canção se transforme num festival de happenings inôcuos, de sons amorfos. O público sabe escolher: no ano passado, deu-se a graça de aparecer uma Luciana e êle prestigiou-a na parte nacional, assim como, logo depois, vaiou-a, na parte internacional, diante da evidência arrasadora de um Love is All. Da mesma maneira que, há dois anos, vaiou o magro terceiro lugar concedido a Le Bruit des Vagues, que vendeu pilhas e pilhas de compactos. Assim como não podia engolir a derrota de Caminhando para o concertante frio e complexo de Sabiá. Enfim: há Caetanos e caetanos, Jobins e jobins, o palco do FIC é grande, cabe de tudo, principalmente a sub-beatlemania. Só não cabem, além de boa parte dos melhores compositores, os intérpretes mais populares: onde Roberto Carlos, Gal Costa, Nelson Gonçalves, Clementina de Jesus, Cinco Crioulos, Orlando Silva, Simonal, Elis Regina, João Dias, em suma aquêles que vendem discos? Nem canção nem cultura; só o imediatismo do show.
Correio da Manhã
20/10/1970