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O óbvio e o híbrido

E, de repente, deu-se o estalo. No interregno do vozerio, das luzes, dos requebrados, da atoarda, do desfile de fantasias, emerge um marciano no palco do último FIC: um homem, com um violão. A aparição do óbvio foi violenta demais; porém, sua iluminação não chegou a cegar o júri - pelo contrário, lavou-o em lucidez para premiar o homem do violão, menos até peios méritos razoáveis do número do intérprete argentino, do que pelo que êle, ali solitário, representava como fôrça de signo: a canção. A lucidez também se estendeu até o prêmio de melhor intérprete, Richie Evans, notável, autêntico, que aliás, da última vez, surgiu sozinho, com seu instrumento, dispensando os acompanhantes.
Pois, do jeito que as coisas iam, não seria ilógico que a direção do FIC, para o próximo ano (se houver próximo), aceitasse as inscrições das escolas de samba, com passistas e tudo. Pelo menos, salvar-se-ia a cara do ritmo brasileiro.
Evidente que a parte internacional do FIC ofereceu nível muito superior à nacional, embora a predominância tendenciosa do hibridismo. E, com o hibridismo, um adeus à manifestação cultural. O chamado som internacional constitui um subesperanto – mesmo porque a melodia já, de si, proporciona, de modo estrutural, o necessário caráter internacionalizante. O resto - ou melhor, o sêlo de cada nacionalidade - corre por conta de ritmo, língua, instrumentalização típica etc. São elementos dessa natureza que conferem a identidade da música popular básica de cada nação, que formam as características do que se chama samba, bolero, tango, fado, blue, valsa etc. etc. etc. Mas isto está cortado do FIC. O hibridismo começa pela orquestra pomposa, que, com os mesmos acordes, acompanha um japonês ou um vienense, um javanês ou um canadense. Enfim, resta o show, sem fular no ensejo à manifestação do público, através das palmas ou, então, de vaias, bolinhas de papel, saquinhos de terra, ou outras formas para o protesto que baila no ar.
A tendência de muitos adeptos do som internacional é considerar, como folclore, as formas de música popular, quando as duas coisas são bem distintas. Quem quiser, a fim de se atualizar, pode consultar os trabalhos e estudos de Oneida Alvarenga, Vasco Mariz e outros especialistas, para saber que o folclore obedece a fatôres como tradição oral, anonimato etc., enquanto a música popular, de autor geralmente conhecido, acompanhando todos os meios de divulgação, reflete uma modalidade de reductio vulgarizante (e, no caso, o têrmo não é: simplesmente pejorativo) dos elementos da música tida como erudita. Porque é feita de baixo para cima, como uma necessidade, sublinhando o êstar de um povo.
Depois de duas semanas de som e fúria, de nôvo o silêncio. E, com êle, a sofrida espera da hora e vez da cultura.

Correio da Manhã
29/10/1970

 
Vogeler: resposta do tempo
Correio da Manhã 19/11/1964

Orestes: Poesia e Seresta
Correio da Manhã 16/12/1964

Benedito Lacerda: ou A Flauta de Prata
Correio da Manhã 30/12/1964

Cândido das Neves “Índio”: seresteiro da cidade
Correio da Manhã 06/01/1965

Joubert de Carvalho: o criador de "Maringá"
Correio da Manhã 10/02/1965

Carlos Galhardo: O Homem da Valsa
Correio da Manhã 10/03/1965

Freire Júnior: tempo de serenatas
Correio da Manhã 17/03/1965

Augusto Calheiros: A patativa do Norte
Correio da Manhã 31/03/1965

Cascata: Jorrar de Bossa
Correio da Manhã 07/04/1965

Patrício Teixeira: da modinha ao carnaval
Correio da Manhã 21/04/1965

Eduardo Souto: Manancial de Música
Correio da Manhã 20/05/1965

Heitor: prazer do samba
Correio da Manhã 05/10/1966

Estética do Fado
Correio da Manhã 14/05/1967

Samba: glória do malandro
Correio da Manhã 28/07/1967

Foi um Rio
Correio da Manhã 10/03/1970

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