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"Ópera Gala" promove o "atletismo" de canto lírico

Antigamente os intelectuais em geral, pelo menos aqui no Brasil, torciam o nariz para a ópera. Consideravam-na um gênero de espetáculo "faisandé", até mesmo ridículo (quem era da classe mal tinha coragem de confessar que tinha saído de casa para assistir um "Trovador" ou uma "Traviata").

Até que, por volta da década de 1970, o gênero reaflorou, ninguém mais precisou se esconder ou emitir desculpas: nos bares e reuniões o papo também girava em torno de ópera. Aliás, de uns anos para cá, cumprindo-se uma previsão de Lévy-Strauss, várias óperas têm sido filmadas: "Don Giovanni", "Traviatta", "Cannen", "Otelo".

Uma récita apresenta duas modalidades de etapas sempre intercaladas: o "foyer" e a platéia. Nesta última, deve-se assistir o espetáculo em silêncio sem jaça, onde qualquer tosse é sacrílega. No “foyer'', gira-se pra-lá-pra-cá, fomam-se as rodas, com os comentários sobre o que ocorrer no palco, as fofocas, enquanto mulheres exibem vestidos. É o “barato” que preenche os hiatos.

A ópera, na maioria dos casos, dispensa grandes especulações cerebrais. Ela consiste basicamente o canto, melhor dizendo, o atletismo canoro. Interpretação, “decor”, direção de cena são elementos de importância, porém sempre secundários. De nada adianta estarem perfeitos ou criativos, se as vozes são insuficientes; de nada vale o cantor ser um excelente intérprete, se canta mal.

Grandes vocalistas

Foi até nesse sentido que a Polygram do Brasil relançou em dez fitas cromo estereo (a coleção "Ópera Gala”) diversas gravações de ópera, a maioria delas correspondendo aos anos 50, 60, retirados do catálogo Decca/London. Aí, estão: "Grandes Árias de Puccini”; "Grandes Arias de Verdi''; "Grandes Arias de Mozart"; "Grandes Arias Para Tenor"; "Grandes Arias Para Soprano"; "Grandes Duetos de Amor"; "La Treviata - Highlights"; "Otello - Highlights"; "Grandes Cenas de O Anel dos Nibelungos”; "Grandes Coros de Ópera" (ressaltando-se que, nesta última, quase todos os coros são de obras de Verdi, com exceção daquele de "Os Palhaços", de Leoncavallo).

E então nos reencontramos com grandes nomes de vocalistas: Mario Del Monaco, Renata Tebaldi, Franco Corelli, Joan Sutherland, Giusepe Di Stefano, Jussi Bjorling, Aldo Protti, Birgit Nilsson etc. Era uma época na qual ainda podíamos assistir a maioria desses cantores nos palcos dos teatros Municipais do Rio e de São Paulo. Havia dólares e empresários que arrecadavam as casas de espetáculo com disposição de arriscar e investir. Hoje, está tudo entregue ao poder público e, mais ainda do que as dificuldades financeiras, existem diretores de ópera sequiosos de autopromoção.

Tenor sem barriga

A grande lacuna nesse elenco é Maria Callas, provavelmente por não ter gravado na etiqueta da Decca. Ela só veio cantar no Brasil uma vez, em 1951. Era então desconhecida e supergorda. Mas a voz empolgou a todos, especialmente em duas das três óperas que protagonizou: “Norma” e “Traviata”. Na “Tosca” não se mostrou muito adaptada – isso viria a ocorrer no futuro.

Outro grande, Mario Del Monaco, esteve aqui em várias temporadas. Em 12 de agosto de 1949, junto com Elizabeta Barbato, fem uma “Aida”, tida pelos veteranos e especialistas como a maior da história do Municipal do Rio, só comparável com a que havia sido encenada muitos anos antes, com Bernardo De Muro e Zola Amaro. Del Monaco fazia também muito sucesso no Guarany (os brotinhos iam até à beira do palco para aplaudi-lo), porque era um tenor sem barriga e, assim, podia entrar de tanga no teatro.

Caruso, por exemplo, tem uma linda gravação da mesma ópera; mas como ver Pery com aquela barriga? Enfim, também inesquecíveis, aqui, suas encarnações de Andrea Chenier, O Trovador e, principalmente, Otello (voz e interpretação).

Rainha do bis

Renata Tebaldi, outra notável voz de soprano lírico, esteve no Brasil diversas vezes. Era a rainha do bis - em quase todas as árias que cantava, vinha o público e pedia bis.
E, por falar nisso, certa vez o tenor Gianni Poggi (também nesta coleção), "habitué” de nossas temporadas, viu-se obrigado a dar "tris", no "E Lucevan Le Stelle” da “Tosca". Coisa diferente acontecera muitos anos antes, com Lauri-Volpi, que, recusando-se a bisar a mesma ária, acabou vaiado e teve de fugir, pelas portas do fundo do teatro.

Enfim, o lado cômico. A liteira de Radamés quebrando e o tenor Alfredo Colósimo de bum-bum no chão. O desmaio de Leonard Warren no meio do Rigoletto e o público acusando Barreto Pinto (o deputado que pousou de cuecas em 1945) de ser o culpado. Também, no Rigoletto, uma soprano, tão gorda, que não conseguiram colocar dentro do saco. Ou o velhinho baixinho que foi cantar o papel de Scarpia (“davante a lui tremmava tutta Roma”), mas cuja voz ninguém ouvia; sem voz, sem “physique du rôle”, levou tremenda vaia e teve de ser substituído. Mas isso é assunto para os Irmãos Marx.

Folha de S.Paulo
12/10/1988

 
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