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Uma Odisséia de Kubrick

Depois de Alain Resnais e Jean-Luc Godard, o novo marco básico para a história do filme é 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick.
Kubrick: uma carreira sem transigências, em busca sempre de uma linguagem e de fazer com que o filme participe com problemas em foco, ilumine, instigue: A Morte Passou por Perto (Killer's Kiss), O Grande Golpe (The Killing), Glória Feita de Sangue (Paths of Glory), Spartacus, Lolita, Dr. Fantástico (Dr. Strangelove) e, agora, após cinco anos de trabalho, 2001: An Space Odissey.
Na área do significado ou nas instigações significantes, são inúmeras as aberturas referenciais: o homem, deus (ou o demo) e o futuro; a responsabilidade diante de uma nova realidade; a descoberta da linguagem e um novo sistema de conhecimento; a luta homem versus máquina (Hal 900) e a indagação a respeito da predominância do instrumento.
Em pleno período paleolítico, os pré-homens enfrentam a mecânica daquela vida primária, de resistência simples ao nível biológico como objetivo capital. Ainda não refletiam o ser superior ao animal em sua plenitude, pois não tinham capacidade de comunicação simbólica e, sim, apenas mediante sinais. Em suma, inexistia capacidade conotativa, somente a denotativa. O ato intelectivo, assim, era também impotente para abstrações. De repente, surge, fincado no solo, aquêle imenso monolito, polido, geométrico, retangular – a revelação de um universo neolítico (pedra polida) antes da própria descoberta do instrumento. Eles tateiam cuidadosamente o monolito desconhecido, a razão é quase como uma aparição de deus. Mas, a partir de então, o germe ficou no pensamento. O macaco, numa cena posterior, avança sobre o esqueleto de um animal morto, pega um osso (que já fora usado anteriormente como arma, para vencer a batalha pela poça de água), começa a brandi-lo eufórico, enquanto espatifa o esqueleto, atira-o para o ar e - a maior elipse anedótica da história do cinema: o osso já é uma nave espacial, deslizando no silêncio imponderável do cosmos, ao som do Danúbio Azul, de Johann Strauss.
Essa elipse sintetiza e explica tôda a história da humanidade e da civilização até o próximo 2001. A partir daí já será outra história. Em 2001, o homem já domina a lua e, nesta, os norte-americanos possuem uma base - Clavius. Repete-se, então, o fenômeno: encontra-se o monolito na lua e os astronautas que, dêle, se aproximam, apresentam comportamento semelhante ao dos macacos, ao tocá-lo. Apenas estão informados de que receberia irradiações de Júpiter.
Parte uma expedição rumo a Júpiter, com três tripulantes em estado de hibernação, para somente serem-lhes restituídas as faculdades vitais quando chegassem ao destino, dois outros vivos, auxiliando o principal tripulante, o computador eletrônico (Hal), a conduzirem a nave. Kubrick, antes de, junto com o escritor e grande especialista, Arthur G. Clarke, conceber o comportamento do computador de ôlho ciclópico (confere com a Odisséia de Homero), ouviu os maiores especialistas na fabricação de cérebros eletrônicos, que lhe disseram ser perfeitamente viável existir algo como Hal, já capaz de emoções ou iniciativas mentais próprias, não apenas estimuladas por indagações. Aí, nascerá o primeiro impasse, com a implicação filosófica. Hal é à prova de êrro - a sua ontologia é a infalibilidade. (E repare-se o trocadilho homófono: Hal pronuncia-se como hell - inferno). Quando esta é colocada em dúvida pelos dois outros tripulantes, procura matá-los, pois - como disse - a missão era "demasiadamente importante". Mas um dos astronautas escapa e vai ao cérebro propriamente dito do computador e começa a desligar todo o seu sistema intelectual e mnemónico. A cena é magnífica, com êle boiando no espaço da imensa câmara que é o cérebro.

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