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Crise é uma palavra-recorrência comum no século XX. Da política até a moda, passando pelas chamadas artes, crise é a contingência. Mas a sua raiz constitui um problema de tempo - de consumo de tempo dentro do espaço vivencial. A crise profunda é a da permanência, do caráter duradouro dos gostos, tendências ou escalas de valôres. O que hoje interessa, move ou comove, pode estar, amanhã, definitivamente arquivado. Poder-se-ia dizer que há uma crise do appeal ao estado contemplativo, esse mesmo tipo de estado de espírito que fundou os haikais de Basho ou a disposição de Proust em consumir um longo tempo em busca do tempo perdido.
A teoria da relatividade consiste no suporte básico para os signos de uma linguagem filosófica moderna, que procura imprimir e explicar temas como a descontinuidade, a destruição da razão ou a supremacia de motivação do subconsciente sobre o consciente. A cibernética, por seu turno, abre um horizonte de especulações - temerário para erigir-se conceitos e postulados, a medida que nos aproximamos dele, mas, de qualquer maneira, um horizonte distante daquele que até há pouco era delineado pelo encadeamento mecânico da realidade artesanal. Pois o homem criou deus ou monstro, a máquina, o objeto que pensa, feito estruturalmente à sua imagem. E se êle condiciona ainda o comportamento da máquina, não deixa de sofrer o refluxo deste comportamento artificial. As relações homem-máquina, o seu perscrutar permanente constitui uma contingência radial para se procurar entender a motomotivação do mundo. E também discernir a crise.
Entre as principais máquinas (nem precisam ser das mais adiantadas) existem aquelas de reprodução, especialmente as que facultam a reprodução em massa: a máquina fotográfica, a máquina de filmar e o projetor cinematográfico, a rotativa, a gravadora, o fonógrafo, etc. Foram essas mesmas máquinas e outras que geraram socialmente a existência daquilo que se denomina, hoje em dia, nos centros mais industrializados, o consumidor de cultura. Pois com as técnicas de reprodução em massa, a cultura no sentido mais restrito do têrmo deixou de ser uma especulação de ínfima minoria. E quando essas técnicas de reprodução maciça fundam uma nova mentalidade do que possa ser criação, aquela antiga característica essencial da ontologia da arte - a gratuidade - vem a se desvanecer. O artesanato pelo artesanato, como um foco de expressão isolada, individual, perde a sua razão de ser. O artesanato pode ser funcionalmente válido, num primeiro estágio, de criação de matrizes para a impressão. Mas cessa aí a sua hegemonia. Cessa também a velha mitologia do objeto único, que, como diz o ensaísta Walter Benjamin, face aos métodos de reprodução, perde a sua aura. E o que significa perder a aura? Significa, em primeiro lugar - sob o ponto de vista econômico – perder o seu valor monetário, como investimento, raridade, instigação aos leiloeiros e sustento hoje em dia artificial das galerias de arte. Hoje, a Skira, por exemplo; nos propicia Matisse, Monet ou o Quatrocentos inteiro. E as pessoas que vão ao Louvre, ao Museu de Arte Moderna de Nova York ou à Tate Gallery reclamam que amiúde, os originais, os míticos originais, decepcionam face à magnificência das reproduções. Mas não deve haver decepção, pois, diante da realidade, é só convir – sem lances de escândalo - que o Gauguin da Skira pode ser melhor do que o próprio, ficando o pintor com as glórias e flores.da inauguração histórica.
O objeto útil insere-se em nossa atuação vital vivencial. O objeto gratuito cai na alienação. O cinema – por ter nascido no cerne da segunda revolução industrial - é a artes mais importante do século Vai matando os lazeres de leituras de romance, um gênero do ramo prosa que não pode - materialmente - proporcionar o comportamento do homem como o cinema o faz. E por falar em prosa, a velha distinção prosa x poesia (esta assolada pela crise do verso) perde também a sua razão de ser em favor da concepção funcional de texto. O texto tipográfica, o texto gráfico ou sonoro ou semântico. Aliás, quem desenvolveu mais exaustivamente o tema, foi o filósofo Max Bense, autor de vários livros e ensaios a respeito da teoria do texto. O professor Bense não se limita a isto. Em Stuttgart, utiliza o computador a fim de medir o índice de informação das obras artísticas e literárias, segundo a medida de entropia, que reverte a uma visão estética, onde a qualidade é quantidade e não mais ou não só o hedonismo de outrora. O seu computador já informou a respeito de obras tão complexas como as de Hegel ou Hoelderlin, ou tão simples como a poesia concreta lançada pelo Brasil.
Mas a máquina não permanece ·no estágio de fornecer um laudo crítico sôbre os textos. Ela cria textos, programados pelo homem, que, neste caso, será o programador, que, segundo o mesmo Bense, face à evolução da máquina, será o verdadeiro artista literário do futuro. Nesse sentido, as suas excelentes publicações da série rot apresentam, a par de ousados trabalhos teóricos, várias experiências de textos de vanguarda, ou ainda como frutos da criação direta dos escritores, ou já como produto do computador.
Como diz Abraham Molles, a memória é aleatória. E por isso, o homem-artista não pode ter a capacidade de controle sobre os elementos formativos como o possui o computador. E mesmo no genero dos textos topográficos, onde se forja um aleatório consciente, uma probabilística artificial, melhor o fará a máquina regulada pelos dispositivos de acaso. Pois, o acaso é um dos grandes temas da arte moderna e da filosofia sobre o seu fazer. Mallarmé desejava elidi-lo e chegar ao absoluto, embora, em contraposição, exista a beleza da interferência do acaso.
Mas, de qualquer modo, é necessário terminar com a chantagem do humano na obra de criação. Os amadores ficam arrepiados quando ouvem falar na máquina ao lado da arte. Os versejadores, por exemplo, ululam lancinantemente contra a perda do emprego sentimental, enquanto os editores protestam contra a dissolução dos produtos que vendem. A reação admite e, forja mesmo a moda; porém rebela-se contra modificações que poderão perturbar seus mecanismos que estimulam uma dada espécie de consumo.
Se a medida, se as perspectivas ajustam-se em critérios de aferição quantitativa, não se farão, em contraposição, afirmações absolutas. Por exemplo: o verso está morto; ou: o poema não mais se fundamenta na linguagem discursiva. Não; podem surgir as exceções, uma capacidade muito peculiar de instigação. Mas ao notarmos a versalhada maciça que se fabrica, não só no Brasil, mas em toda parte, constatar-se-a um tipo de alienação instrumental. E o moribundo romance? E os inefáveis contistas? Ver, viver, escrever, escreviver. Isto, entretanto, exige ou as limitações adstritas ao instrumento de' determinada especialização (o ensaio, por exemplo) ou a intuição de uma capacidade de síntese que diga algo de novo acima da especialização. Normalmente, o amadorismo científico do escritor que quer descrever diretamente estados de alma, ou os costumes de uma sociedade, poderá igualar-se à obra dos grandes psicólogos ou psicanalistas, dos grandes sociólogos ou antropólogos?
Apesar da máquina fotográfica, também não se dirá que a pintura, em si, está morta. A própria e assim chamada nova figuração e, principalmente, a pintura de crianças trazem sempre surpresas formativas. O que se depreende, contudo, é que, face ao avanço dos meios de reprodução, o suporte de um objeto único para os signos irá, dia a dia, tornando-se inautêntico e obsoleto. A informação sempre se transforma, mas a comunicação sempre evolui numa tendência ampliadora, no mundo da máquina. E, por isso mesmo, a criação, possua uma informação mais ou menos desgastada, deve-se condicionar à amplitude comunicativa. E o grande paradoxo: no fundo, a chamada pintura abstrata visava a denunciar a sua própria aura de objeto único, denunciando o quadro, porém através dela fabricaram-se os altos preços no mercado de arte, conduzido pelas galerias.
O artesanato, assim, cada vez mais deixa também de ser um fim em si mesmo, em todos os setores de atividade onde impere a industrialização e, por conseguinte, a evolução das reproduções. o . artesanato passa: a ser, quando necessário, uma etapa ou ainda etapa final no tocante à criação de matrizes. E paulatinamente essa mesma criação de matrizes vai-se condicionando à interferência direta dos meios de reprodução.
A crise, portanto, em primeira instância é a da mentalidade artesanal. Em segundo lugar, do individualismo, do genialismo, pois a obra, cada dia mais, vai exigindo uma equipe (cf. o cinema). Mas como as novas contingências marcham a par com a evolução da ciência, não há realmente crise, mas um estágio de superação, com os inconformados ou interesses contrariados.

Correio da Manhã
16/03/1966

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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