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Uma nova estrutura

A poesia concreta é uma poesia de invenção constante por nela ser, exatamente, a consumação estrutural, a "mensagem" do poema. Esse formula uma função e se esgota nisso. Não consiste em símbolo de nenhuma opção subjetiva do autor, por meio de qualquer tema inspirado diretamente por seu particular sentimento do mundo. A triagem racionalizante dos elementos de composição a que o expnmir de uma função exige, elimina fatalmente toda possibilidade de plasmar o ato criativo numa atitude individualista, ser a contextura da peça uma gama de "sentimentos indefiníveis", de "imagens transcendentes" o poema é um dado tipo de processo e, alcançado tal objetivo, liqüida qualquer pretensão de ser repetido a título de alguma outra variante conteudística. Em conseqüência, não inaugura uma formula artesanal a ser permanentemente aproveitada. Uma só formula-matriz que se basta. Portanto, cada poema surgido a posteriori deve constituir forçosamente em nova invenção.
A arte concreta, isso é, não-icônica, segue um desenvolento paralelo àquilo que Jean Ladriere, na sua
Filosofia da Cibernética, e em oposição ao critério de um distribuição vertical da realidade chama de "uma representação horizontal do real" "A imagem de um mundo de objetos repartidos em alguns grandes reinos organizados hierarquicamente não corresponde mais do que a uma apreensão qualitativa ainda muito superficial" Essa teoria cederá lugar continuamente a uma representação mais funcional que não se interessa tanto pelo aspecto exterior das coisas quanto pelo seu modo de funcionamento. A linguagem dessa representação será cada vez mais matemática e poder-se-á fazer corresponder às diferentes zonas de comportamento different zonas de estruturas matemáticas.
O poema abaixo, de Décio Pignatari, dentro das rigorosas concepçoes racionais de estrutura, abre novas perspectivas de encarar a problemática, mediante o emprego até então inusitado dos elementos-chava que elaboram um jogo de relações

caviar o prazer
prazer o porvir
porvir o torpor
contemporalizar

Desprezando o valor do efeito sonoro como recurso primordial de imediata agenciação estrutural e também, ao mesmo tempo, recusando qualquer reiteração de caráter visual, por uma propositada neutralização do uso substantivado da função espaço (a não ser uma necessária disposição ordenada que a própria lógica das relações implica), elabora um poema cujo elementos operam inteiramente no plano semântico.
Numa primetra tomada de contato, observa-se a justaposição de três breves orações sem sujeito e de, na última linha. uma palavra montada, contemporalizar, isso é, composta a partir de sílabas e segmentos diversos de várias palavras e que lhe conferem um significado particularmente amplo, gerado pela imposição de uma plurivalência semântica (contempolarizar, contemplar, temporalizar temporizar oralizar). Esse tipo de palavra composta remete-nos diretamente ao artesana Joyceano: o steelyringing, de Ulisses, ou o silvamoonlake de Finnegans Wake, por exemplo.
A originalidade do poema, entretanto, não reside só e principalmente na convocação dessa palavra, que, alias, se reporta, em si mesma, a um critério de construção pertinente à ultrapassada fase do concretismo poético, denominada orgânica ou fenomenológica. Está na utilzação de outras palavras-elementos. Essas apresentam uma reversível dualidade de funções gramaticais. verbo e substantivo, agente e objeto. Sempre dispostas, duas a duas em cada linha, e separadas pelo artigo o , elide-se naturalmente a ambigüidade no momento da aplicação: a que vem antes é sempre verbo, e a que vem após, sempre substantivo. A seguir, na linha imediata, cumpre-se a reversão: a palavra que era utiliza a acima como substantivo (em segundo lugar), repetida em colocação oposta, passa a atuar como verbo. E o circuito de conversões corre até contemporalizar que, justamente, em termos de função, exprime a ambigüidade dos dois casos, pois, simultaneamente verbo e substantivo, invoca um constante retroativamento do mencionado circuito. Paralelamente, constitui o instante de máxima rarefação, o perfeito índice de concentração isomórfica dos elementos.
O desdobramento cronológico das nossas quatro conjugações, com a volta à primeira no sufixo da palavra composta, reafirma a qualidade do fluxo-circuito verbal-substantivante. Caviar, prazer, porvir e torpor; curioso notar que, com exceção da segunda, todas as outras são apenas substantivos na língua portuguesa. Contudo, o modo de relacioná-las entre si e a técnica da repetição, trazendo a forte incidência dos sufixos, desperta logo a sensação de um perene acionamento verbal.
Se, aparentemente, essa recorrência aos verbos pode proporcionar a impressão de um apelo a um nexo de causalidade de feição discursiva (princípio-meio-fim), tal impressão permanece, todavia, somente na aparência mesma. A estrutura do poema não é adjetiva a uma expressão, ela é, como no caso das outras peças concretas, uma estrutura-conteúdo, substantiva. O poeta concreto usa a palavra em seu máximo poder de abstração, quer dizer, nula no tocante a qualquer possibilidade e de referência à realidade em si própria a fim de transmicitir uma função. Ocorre que, no exemplo dessa criação de Décio Pignatari, não se trata apenas da palavra abstraída de qualquer lastro de invocação subjetiva, mas també da frase. Frases infinitivas, cujos níveis semânticos inter-relacionados regulam-se ao mesmo tempo em propulsão uniforme. E aí esta a riqueza de uma nova conquista no terreno da estrututura, do incentivo ao leitor na procura daquilo a que Von Ehrenfels denominava Gestaltqualität.
Por outro lado, "caviar o prazer" dentro dos desígnios da arte concreta, traz maior contribuição no ampliar as perspectivas para a para a idéia de uma obra participante de fato, em virtude da clareza e imediatidade dos seus efeitos, que em nenhum instante invocam a extrema necessidade de um ângulo de visão intelectualista a fim de apreendê-los e caracterizá-los.

Correio da Manhã
31/10/1959

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
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Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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