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literatura

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Erza Pound, crítico

“A linguaguem é feita de coisas concretas. Expressões gerais em têrmos não concretos é displicência; é conversa, nem arte, nem criação. São a reação das coisas sôbre o escritor, não um ato criativo realizado pelo redescritor” (carta a Harriet Monroe em 1915).
“Penso que deve haver mais, predominantemente mais objetos do que postulados e conclusões, os quais, mais tarde, são puramente optativos, não essenciais, muitas vêzes supérfulose, por conseguinte, ruins.” (carta a Iris Barry em 1916).
Êstes dois trechos ilustram tôda uma atitude lúcida e objetiva em face da obra de arte. O pragmatismo poundiano, com todos os vícios e virtudes, erros e acertos, foi uma contribuição positiva para um levantamento de valores, no campo da literatura, na primeira parte dêste século, e um exemplo frisante de uma viva atividade cultural. Direto e imediato, traz sempre à tona o ponto vital de interêsse de uma obra, tendo, ao mesmo tempo, forjado novos ângulos de visão pora um critério de estudo: a divisão de três espécies básicas na caracterização de um poema - melopéia (musicalidade), fanoféia (imagem) e logopéia (“a dança do intelecto entre palavras”): a classificação dos artistas em inventores, mestres, diluidores, beleristas “starters of crazes”. Por outro lado, os seus célebres
slogans: dichten (condensar), le mot juste (a necessidade de exatidão, qualidade da qual, segundo êle, Flaubert era um paradigma) ou então gists and piths (“essências e medulas” do que é feita a poesia, de acôrdo com o estudante japonês).
Isso não implica dizer que o tipo de crítica do poeta norte-americano é mais importante do que os métodos dos profissionais especializados. Trata-se de uma simples questão de zoneamento de interêsses. Pelo contrário, a crítica científica, apoiada numa necessária formação estética, tem a cargo um trabalho mais sitematizado e concentrado do levantamento das múltiplas fases de conversão do problema da forma que, em última instância, é, e sempre foi, o problema da arte. Hoje em dia, para o crítico de consciência, o diapasão impressionista, isto é, o autodeleite à propos do objeto artístico, se configura num critério totalmente suerado em sua função construtiva, está mais adequado ao ecletismo temático dos cronistas. Acontece entretanto que, em várias ocasiões, o depoimento, o ponto de vista do próprio artista, de acôrdo com o grau de competência profissional, ou seu nível cultural, encerra também um subsídio indispensável para a melhor compreensão por parte da crítica dos diversos aspectos pelos quais uma peça pode ser encarada e tal ocorre principalmente em épocas de ebulição das vanguardas, quando novos processos entram em composição e redimensionam incisivamente os métodos de análise. E, aqui, não seria somente por uma falta de precisão terminológica que iria desprezar-se o pensamento do artista. É a própria Susanne Langer quem adverte, na introdução ao seu importante colume, “Feeling and Form”: “Mas de fato, é impossível falar a respeito de arte sem adotar até certo ponto a linguagem dos artistas. O motivo por que êles falam inteiramente (embora em parte sim) pela razão de êles estarem destreinados para o discurso e serem não eruditos em seu linguajar… Seu vocabulário é metafórico porque tem de ser plástico e poderoso a fim de permitir-lhes exprimir os seus sérios e muitas vêzes difíceis pensamentos. Não podem ver a arte como “meramente” êsse ou aquêle fenômeno facilmente compreensível; estão demasiado interessados nela para fazerem concessões à linguagem. O crítico que despreza a fala poética dêles está bem próximo de se tornar superficial em sua apreciação e de lhes atribuir idéias que não sustentam antes do que descobrir o que realmente pensam e sabem”.
E o approach poundiano jamais se funda essencialmente no impressionismo, no gratuito divagar de um cerimonial adjetivante. Êle vai ao cerne da questão, ao tema forma. O seu desígnio final, na análise de um poema, ou de um conjunto de obras, não é o de invocar aquilo que Susanne Langer, no livro acima citado, denomina de “óbvia abstração”, isto é, desvendar se o autor é um “melancólico” ou um “revoltado”, um “cético”ou um “idealista”. A sua intuição de pesquisador renitente move-se no terreno objetivo dos elementos de composição, os seus senidos estão continuamente voltados para uma conjuntura de ritmo, levanta panoramas e paralelos histórico-geográficos sempre na constatação da dinâmica de algumas línguas, no levantamento de ums rêde de afluências e influências de vários tipos de processo criativo.
Evidente também que o seu critério seletivo de autores e obras nem sempre traduz uma correspondência total com o juízo que possamos ter a respeito de cada um. E êle, por um lado, trouxe à luz a inestimável importância de um Corbière ou de um Laforgue, por outro, deixou um segundo plano, um poeta da estatura de Mallarmé. Se ajudou e incentivou a Joyce na publicação do “Retrado do Artista quando Joven”e, posteriormente, no trabalho de “Ulysses”, não compreendeu o sentido da linha de evolução do grande romancista que viria a redundar em “Finnegans Wake”, a sua obra-prima. Isso, no entanto, é secundário. O que importa é o modo instigante e vivo de apresentar as diversas facetas de um poema, um trecho em prosa ou uma peça, a sua contribuição de caráter eminentemente cultural, na feição de atualidade que encerra êste último têrmo. Não é propriamente o scholar, o homem erudito. O seu mister é atacar a questão sob o ponto de vista prático, direto. É mostrar, através de exemplos, a validez de tôda a tradição de uma lírica trovadoresca para o desenvolvimento da melopéia e, ainda dentro de tal aspecto, largando Dante para um segundo plano, de acôrdo com o seu interêsse da hora, ressucitar praticamente a obra de Cavalcanti. São as traduções do “Cathay”, com o fito de trazer refôrço para a concepção de um autêntico mood imagista. O exemplo da poesia chinesa como espelho da clareza e consisão, em oposto às retumbantes abstrações dos remanescentes da decadência do período vitoriano. O princípio do iodeograma como método de composição, adaptado à linguagem ocidental mediante um critério de transposição harmônico, constitui uma das mais presiosas contribuições de Pound, que orientou as suas observações, nesse campo apoiado nos estudos de Fenollosa.
Ao contrário de Fernando Pessoa, cujos heterônimos são uma contingência do desdobramento de uma personalidade em diversos prismas, uma atitude total do poeta face a seu sentimento das coisas que o rodeiam, as personae de Pound consistem num problema objetivo e racional de apurar e experimentar alguns tipos de artesanato. É o poema feito à maneira de. Poder-se-ia dizer, um treino visando ao desenvolvimento de uma necessária mestria a fim de encetar a grande obra: os “Cantares”. Isso se, “à maneira de”, êle também não tivesse escrito peças verdadeiramente antológicas como, à maneira de um Laforgue, “Portait d’une Femme” (Your mind and you are our Sargasso Sea), de um provençal, “Sestina: Altaforte”, (Damn it all!! all this South stinks peace.) ou (Piere Vidal Old” (When I but think upon the great dead days), de Cobiére, principalmente, o seu famoso "Mauberley" (The age demanded an image/ of its accelerated grimace), baladas como Villon etc.
Como tradutor, o autor do “A B C of Reading" pode ser considerado um dos maiores já existentes. E o Ezar Pound tradutor não deixa de ser um complemento do Ezra Pound crítico.
Para ele a tradução continua, sob determinada feição, a oferecer caratecristicas de crítica e é, ao mesmo tempo, um ato criativo. Quebrou alguns tabus do ofício, especialmente aquêle da falsa "fidelidade" ao texto, estribado na perfeita sinonimia das palavras. O importante não é restituir todos os detalhes anedótico-descritivos do original. Isso é superficial. O importante é reconstruir um processo, o ritmo, propiciar numa língua uma cadeia de efeitos anáIoga à da obra-matriz. Nem sempre é necessário dar exatamente um mesmo objeto referido e farulta-
se a acrescentação ou a omissão de têrmos.
Alguns das traduções suas, ou do francês, ou do chinês, ou provençal, ou do japonês, ou do alemão, ou do italiano (e até mesmo o português: Camões - ou Camoens, em "the Spirit of Romance") são verdadeiros monumentos da lingual inglêsa. E o aspecto critiço vai sempre ali, dentro da própria tradução, ora ressaltando um trecho tipicamente touchstone (pedra de toque), ora reerguendo algumas pasagens menos felizes do original.
Hoje, com idade avançada e após ter passado um lngo tempo de prisão e recolhimento forçado, o dinamismo de Pound ainda não feneceu; nem a sua capacidade criativa. Prova-o o recente lançamento de sua tradução de Sófocles, "Women of Trachis", onde sem nenhuma concessão, pode-se verificar que êle continua a ser, como Eliot o denominou, "il miglior fabbro".

Correio da Manhã
11/04/1959

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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