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A Grande Tradição Metafísica

O que se denominou poesia metafísica e, na Inglaterra, cobriu um período constante dos fins do século XVI e da primeira metade do século XVII, pode ser considerada como uma das mais antigas e válidas fontes precursoras da linguagem poética contemporânea. Corresponde também, em dado trecho de sua vigência, assim mais ou menos demarcada, à famosa fase isabelina e o motivo de muitos poetas, antes da época da Restauração, serem ou não metafísicos, mantendo-se, ao mesmo tempo, dentro da esfera de concepção artesanal do mencionado período isabelino, importa em determinadas distinçÕes ainda, hoje em dia, muito sutis.
Quem criou a denominação foi Samuel Johnson e, de acôrdo com Helen Gardner, o que caracteriza principalmente a poesia metafísica é o seu aspecto strong lined, assim chmado pelos críticos. Segundo a mesma autora, “êsse estilo (strong-line) teve origem, no crepúsculo do reinado de Elizabeth, no objetivo geral por uma expressão consisa, consumada numa sintaxe elíptica e acompanhada de um ritmo staccato em prosa e uma certa aspereza deliberada na verificação do poema”. A maior queixa dos inimigos dos metaphysical era exatamente a sua dificuldade de comunicação, o seu hermetismo, apoiado especialmente em dois fatôres: um vocabulário inusitado, de têrmos considerados não poéticos, e os jogos de palavras, os permanentes trocadilhos. Foi um turning point para a literatura inglêsa, quando, em lugar do bardo, das canções em verso ligeiro, surgiu o artista intelectual, com uma cultura em ação. Donne, por exemplo, considerado uma espécie de expoente da escola, vivia em seu círculo de intelectuais, imerso em problemas filosóficos, científicos e teológicos. Não gostava de ser chamado peta e, mesmo, os poucos poemas que publicou em vida eram, via de regra, julgados ininteligíveis. Os poetas, começavam a se libertar do patronato dos nobres e, uma nova condição existencial mais independente permitia-lhes diversas perspectivas de atuarem com sua arte. E’ lembrar também a intensa participação política de Andrew Marvell durante o regime de Cromwell.
Êsse discutido hermetismo fêz com que, um longo tempo, a linhagem metafísica, sob uma perspectiva hodierna, a mais rica na poesia inglêsa, permanecesse no ocaso só a partir dêste século se impusesse a sua redescoberta. E, isso, em função já da própria existência de autores, como Hart Crane, cujo tipo de linguagem remetia nitidamente à época isabelina. Desde o jesuíta Robert Southwell, condenado a morrer no patíbulo, em 1595, com seu from crowne to crosse from throne to thrall I fell / my weale my woe, my wordly heaven my hell, a prefigurar, com seu poderoso jôgo de assonâncias e aliterações, neste (At Fothreringay) e noutros poemas, a dicção, a espessura sonora de Hopkinks e, pouco depois, Thomas.
Os metafísicos, Donne à frente, enriqueceram substacialmente o nível semântico das peças, recorrendo a têrmos filosóficos, das ciências aplicadas (cartografia, matemática, geografia, geometria), além do natural fundo religioso que os impelia. A “dificuldade”, aqui, não seria outra senão a falta de intimidade na época com aquela terminologia especializada e utilizada em fun;cão de complexos esquemas metafóicos, símiles insólitos, quando, inclusive, imperava a concepção essencialmente poética de formular idéias ou sentimentos, não mediante os substantivos abstratos que, de um lance, os denotam, porém com o encadeamento ou justaposição de nomes concretos. Firmava-se uma tradição discursiva para o verso, não dentro de esquemas lógicos ou meramente descritivos, mas, sim, analógicos – indutivos. Marvell, por exemplo, em The Definition of Love, na penúltima quadra, compara as correspondências do amor como linhas oblíquas ou paralelas: As lines so Loves oblique may well / Themselves in every angle greet / But ours so truly Paralel / Though infinite can never meet (Como linhas assim os amôres podem saudarem-se oblíquos em todos os ângulos: Mas as nossas, tão verdadeiramente paralelas, embora infinitas jamais podem-se encontrar). E é também a conjugação espaço-tempo anunciada na majestosa abertura do seu mais famoso poema, “To His Coy Mistress” (À Amada Esquiva): Had we but world enough and time (Tivéssemos o mundo inteiro e tempo).
Já em John Donne, por seu turno, são fartos os instantes de recorrência a essa nomenclatura especializada. Numa de suas Valedictions, compara as almas dos amantes com as pernas do compasso e a relação de uma, fica, com a outra, em movimento. No Extase, considerado por Ezra Pound, em The ABC of Reading, um dos poemas básicos da língua, tôda a transcendência do amor platônico é formulada através de um inteligente jôgo de opostos e contrastes na dialética corpo x alma, com a interpolação da idéia de progressão dos átomos – tudo num preciso critério de versificação, mesclando imagens com o coloquial e com uma utilização dos parênteses, em magistral efeito rítmico. Por outro lado, em The Relique, deparamo-nos com um dos mais poderosos touchstones da poesia: A bracelet of bright haire about the bone – a força penetrante da imagem cunhada pela magistral construção sonora (um bracelete de cabelo luzente em tôrno do esqueleto).
Na contribuição para o desenvolvimento dessa linha tradicional, em especial no tocante à matéria sonora, destaca-se Richard Chrashaw. Segundo Mario Praz, em Secentisto e Marinismo in Inghilterra, êle se consiste no maior expoente do estilo barroco em qualquer linguagem. Austin Warren, em seu estudo sôbre RC, insere um subtítulo bastante sugestivo: “Um Estudo sôbre a sensibilidade barroca”. E Alfred Alvarez, em The School of Donne, pontifica: “Crashaw era um poeta escrevendo em inglês. Foi o percursor de Poe, não de Hopkins”.
O profundo sentimento religioso do poeta que abandonou a Igreja Anglicana pela Católica, marcou até o paroxismo os seus versos, com aquêle delírio do movimento pela ornamentação, pela concentração da agudeza. Tôda uma imagética peculiar à corrente gongórica – aromas, flôres, côres, especialmente o branco (neve, leite, etc.) está presente em suas linhas e a característica, bem afim ao espírito barroco, de transmitir uma dada impressão ou sensação através de outra. Escreveu versos em latim e realizou muitas traduções para o inglês – além do próprio Marina, uma exponencial, de um poema de Capítulo. Wishes to his (supposed) Mistresse, talvez o seu maior poema, constitui também, dentro do inglês, o exemplo típico dos prodígios sonoros a que o barroco conduzia os poetas de línguas latinas na época.
São muitos os autores do período, chamados “menores”ou até mesmo desconhecidos ou no ostracismo, que, à base dos puzzles e paradoxos, criam contextos de uma atêntica dialética semântico-morfológica, enriquecendo as perspectivas para uma apreensão da essência da poesia e corroborando a conhecida frase de Mallarmé: “a poesia é feita com palavras e não com idéias”. Michel Drayton, na sua sére de sonetos de Idea, forja um instigante esquema de permuta de pronomes pessoais com advérbios e conjunções (I say, I die, you eccho me with I) (No I, am I, if I no more can have) (Eu digo, eu morro,você ecoa-me com eu / Nenhum eu, sou eu, se eu nada mais posso ter); George Herbert, agora em franco estágio de ressucitação, com as suas Easter-wings, obedecendo a uma especial disposição tipográfica, para leitura vertical, com o poema perfazendo uma figura de asas; John Cleveland, um dos poetas de maior popularidade na época da Restauração, graças à influência que a fase imediatamente anterior de Donne lhe proporcionou, mesclando a técnica metafísica com o ímpeto da sátira, do qual seu The Antiplatonick é um dos exemplos mais vivos; Henry Vaguhan, também, discutívelmente, incluído como metafísico em várias antologias, com o seu touchstone: I saw Eternity the other night / Like a great Ring of pure and edless light (Eu vi a eternidade a noite atrás / qual imenso anel de luz infinda e pura).
A crítica moderna reconhece, em pêso a atualidade dos metafísicos: Eliot ou Pound; Austin Warren ou Alvarez; Herbert Read ou Rosamund Tove. A importância da escola, simbolizada em Donne: “tomar uma forma dialética que tornou-se rígida após séculos de contenda escolástica e romper a sua estreita casuística; açambarcar as ciências em tôda a força imaginativa das novas descobertas e, reunidas, trazê-las como protagonistas no drama interior de sua própria e poderosa experiência pessoal” (Alfred Avarez).
Contudo, por mais estranho que pareça, o mais metafísico de todos os poemas, tanto nas implicações de fundo, como nas de forma, é The Phoenix and the Turtle, de Shakespeare, segundo Helen Gardner, ainda o mais strongline. não só a terminologia especializada, a seqüência de trocadilhos e jogos de palavras, mas a superposição de múltiplos planos temáticos, que atinge até a própria essência do ato poético, numa linguagem densa e consisa ao mesmo tempo. Numa obra de exceção, afina-se com o mood de Doone e atinge, inclusive, a uma espécie de préconjuntura mallarmica – o que procuraremos analisar num artigo próximo. 

Correio da Manhã
05/05/1962

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
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Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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