Uma tradução de Ezra Pound – Edição Neviile Spearman Ltda. – Londres
Em mais uma contribuição de Pound para a cultura de nossa época, constitui-se essa versão criativa da peça de Sófocles para a língua inglesa. Readaptando ao máximo possível o clássico da Grécia para o que seria mais adequado dentro dos processos de comunicação verbal positivamente atuantes no tempo presente, o autor dos “Cantos” leva a efeito um “tour de force”, recriando diversas passagens, renovando os elementos da metáfora a fim de rejuvenescer a capacidade sugestiva de vários instantes do texto. Como, por exemplo, no trecho final em que Heracles diz: “chalubos lithokolleton stomion” (um pedaço de aço assentado com pedras) que ele transporta para “and put some cement in your face/ Reinforced concrete” (e coloca um pouco de cimento em rua face/ Concreto reforçado), tornando-o fortalecido em sua eficácia e imediatismo. De acordo com S. V. Jankowski, isso traz o leitor para a era da indústria americana de construções e traça um paralelo apropriado. Em outras palavras: a intensidade da imagem vinculada ao desejo de desfechar determinados efeitos, através dos elementos convocados, é preservada mediante um processo de transposição dinâmina de um período da civilização para o outro, isto é, com transformações nesses mesmos elementos ou no critério de se utilizar deles.
Vinda a público pela primeira vez no volume VI, n.º4, da Hudson Review de 1954, essa tradução de Pound surge agora editada pela Neville Spearman, de Londres (1), contendo ainda o livre um prefácio de Denis Goacher, um comentário a respeito do trabalho por S. V. Jankowski, uma declaração conjunta dos editores e uma pequena digressão de Riccardo M. Degli Uberti sobre “Porque Pound Gostava da Itália”. Além disso, temos outrossim um retrato de E. P., pintado por La Martinelle. O prefácio de Denis e as digressões de Degli Uberti estão adstritos diretamente à intenção de manifestar um protesto, casados em argumentação sóbria, segura, o primeiro mais “humanístico” e político, o segundo, contra o estado de reclusão em que ainda se encontrava E. P.. Goacher apresenta seu arrazoado também de teor político, invoca os depoimentos de Eliot e Hemingway na época ao “enfermo” no Hospital de St. Elizabeths.
De todos, entretanto, o estudo de Jankowski é o mais interessante por cingir-se estritamente ao assunto em foco, ao fato cultura, e também em virtude de envolver considerações e observações de grande alcance e propriedade. Demonstra compreender perfeitamente o sentido da elevada e refinada restauração que move Pound quando empreende as suas famosas “translations”. Reconhece mesmo ser ele (E. P.) o grande mestra da língua inglesa, o maior tradutor de nosso século. Aponta uma serie de soluções e recursos admiráveis empregados para a versão moderna da “Trachiniae”. Principalmente no que concerne ao tratamento com o coro, em especial por razão de ser o elemento do drama onde o tradutor pode desfrutar de uma maior liberdade de composição, já que o dialogo está sempre inevitavelmente preso a linha do entrecho.
Na realidade, nesse “Woman of Trachis” o Pound master aflora em todo o diapasão de sua capacidade, com todas as suas características mais eminentes, a dicção precisa, a sempre rica phanopoeia e o eficiente jogo de elipse: “Hurled to one bed, / Might of waters like a charge of bulls crashing” (Arremessado a um leito / Senhos das águas qual o estouro de uma carga de touros); “ROCK and wrack, / Horns indo back / Slug, grunt and groan / Grip through to boné”. Excelente, como em outras passagens do coro, o uso da ambigüidade das palavras no verso curto, ou de uma só em disposição espacial, às vezes com reforço de significado meramente figurativo: “Kupris decides / To whom brides / fall. Em outros instantes, aparece o recurso das maiúsculas para fins de intensificar o essencial de uma formulação: “And now I’m in torture, no one to finish it off / with fire, or with knife, / or do ANYthing useful, / or even let me alone” (E agora estou sob tortura, / ninguém para consumá-la / com fogo ou com faca / ou fazer QUALQUER coisa de útil / ou mesmo deixar-me só).
Por outro lado, a mesma dignidade shakesperiana, plasmando diversos momentos decisivos das invocações de caráter conceitual:
The gread weight silent
for no man can say
IF sleep but feign
or Death reign instantly
(O imenso e muso peso
pois homem algum dizer pode
se o sono apenas dissimula
ou a Morte reina um instante:.
Pound também substitui, sempre que julga conveniente, muitas locuções ou termos de feição nitidamente enfático – e, em geral, respeitadas pelos tradutores do clássico – por expressões do vernáculo popular. Ao mesmo tempo se serve, como de hábito e, outrossim, quando achar necessário, de palavras de língua estrangeira, inclusive o português: “Oh yes the did. Plenty of us, us Trachinians, / a whole agora heard it”/
Destarde, ele rompe com uma série de tabus existentes no atacar tarefas no gênero, especialmente com a conclusões de Gilbert Murray que considerava impossível a transposição dos diálogos diretos.
“Women of Trachis” é uma realização admirável do porta americano, tecnicamente impecável, exemplo da extraordinária vitalidade de quem se vê forçado a trabalhar em situação e em condições inteiramente desanimadoras.
Jornal do Brasil
03/11/1957