Pelo Portão Norte, pleno de areia, o vento sopra
Solitário, desde a origem do tempo até agora!
Caem árvores, amarelece a grama no outono.
Tôrres e tôrres escalo·.
para divisar a terra brava:
Castelo assolado, o céu, o largo deserto
Não sobrou muralha alguma nesta aldeia
Branquearam os ossos aos mil borrifos da geada
- Elevados cumes, cobertos de cruzes e capim .
Quem causou a passagem disto?
Quem provocou a flamante fúria do império?
Quem trouxe o exército com tambores e timbalos?
Reis bárbaros.
Primavera suave tornou-se outuno em voragem sangrenta,
Torvelinho de guerreiros espraia-se reino adentro,
Trezentos e sessenta mil
E tristeza, tristeza como chuva .
Tristeza no partir e tristeza, tristeza retornando.
Desolados. campos desolados,
E nenhum rebento da guerra nêles resta,
Nem mais os homens de ataque e defesa.
Ah, co,o saberás do pesar sombrio no Portão Norte
Com o nome de Rihaku esquecido
E nós, sentinelas, para pasto dos tigres.
Lament of the Frontier Guard se consiste numa das traduções de Ezra Pound, incluídas no volume Cathay, publicado em 1915. Pound realizou as suas versões do chinês, baseado, na época, em Rihaku, nas anotações de Ernst Fenolosa (o filólogo, autor de obra sobre o principio do ideograma, que iria influenciar a estrutura dos Cantares de EO) e nos trabalho de decifração dos professores Mori e Ariga.
Um dos multiplos e mais eficazes aspectos das atividades criativas e culturais de Pound foi aquele de tradutor. Conhecendo diversos idiomas e estudando as várias manifestações poéticas expressadas através deles, revivificou, na lingual inglesa, peças de indiscutível importância, que, não fosse o seu esforço, permaneceriam praticamente desconhecidas. Seu empenho em promover a poesia – não só a de seu país ou de sua lingual, mas no âmbito internacional – trouxe à tona uma série de obras, muitas das quais ainda melhor valorizadas ou, então, reatualizadas, mediante as suas traduções de inobjetável valor criativo.
Lamento do Guarda da Fronteira – do qual procuramos extrair uma versão em português, da versao poundiana – mesmo sob a estrutura da linguagem occidental & Latina ainda evidencia a riqueza de sua concepção, mormente sob o crivo daquilo que Pound denominava fanopéia, ou seja, a preponderância, em dado poema, da faixa de imagens – elemento alias característico da poesia chinesa. Também ainda bastante atual em sua temática, aí está um poema antiguerra, com o destino da sentinela (que fala na primeira pessoa) conotado com o absurdo.
Correio da Manhã
05/10/1958