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Escapismo & Participação

A poesia de Maiakovski era considerada obscura e, com respeito a isso, ele assim argumentava, em seu artigo de 1928, Os Operários e Camponeses não te Compreendem: “Ainda não ouvi, para se vangloriar, ninguém dizer: - Como sou inteligente, não compreendo a aritmética, o francês ou a gramática. Mas o brado eufórico – eu não compreendo os futuristas! – ecoa há quinze anos, cai e se ergue novamente, excitado e jubiloso. Com base nesse grito, fazia-se carreira, enchia-se os auditórios e surgiram chefes de verdadeiros movimentos”.
“Um simples – nós não te compreendemos – não constitui um veredicto”. (…) “Há uma especulação e uma demagogia a respeito da incompreensão”.
Quando o maior poeta soviético da revolução (e que, nela também participou física e pessoalmente) assim se exprime, está induzindo, de imediato, uma diretriz para encarar o chamado problema da participação. Coloca um elemento básico para a questão: a amplitude das especulações do artista, a sua faculdade em sistematizar pesquisas (de modo análogo, por exemplo, ao cientista, no laboratório), chegando, amiúde, à intensificação de uma especialização. Esta jamais colide com a idéia de participar; ao contrário, consiste numa decorrência natural, é o próprio ato participante em constante estágio de apuração.
Contudo, a lucidez de Maiakovski foi a de um raro. Muito comum e forçosamente sintomático, em face do isolamento e dificuldade de comunicação com a sociedade em que o artista, mesmo autonomeado participante, desde algum tempo, vive e convive, é a angústia existencial, o posicionamento individualista. E, geralmente, nas épocas em que se aguçam as crises político-econômico-sociais, êle geralmente, tende para a denominada “participação”, com uma espécie de derivativo simbólico do fuzil – paliativo da hora contra um isolamento que não procura, mas é forjado pelas suas próprias condições de trabalho. Trata-se do escapismo, inconsciente ou não, de quem se encontra em situação e, aí sim, não atua no sentido da coletividade. Como se denota, malgrado a maior ou menor dosagem das boas intenções, é uma atitude pessoal. Mesmo porque, havendo a vontade de participar, esta somente pode ser entendida no seu sentido estrito, isto é, a comunicação direta e imediata com as massas. Mas se o artista, por exemplo, em lugar de se cingir ao amor, vai ater-se a política, essas mesmas massas iraão encontrar idênticas dificuldades em penetrá-lo, inclusive por ser o nôvo tema mais restrito, vamos dizer, menos universalizante.
Surge, daí, a segunda hipótese. O artista dá o pulo para trás, vai facilitar, vulgarizar a sua linguagem, quer dizer, retorna à redondilha maior, ao sonetão derramado, à pintura ou desenho figurativo, a esculpir melancólicos jangadeiros ou astronautas eufóricos. Mas será negar o próprio processo, aquilo que Whithead, lapidarmente, denomina “the imanence of the infinite in the finite”. Enquanto isso, gritam em volta dêle os cartazes, os luminosos, telegramas, rádio, TV, fotografias, cinema ou, já as máquinas de texto do filósofo Max Bense.
Será negar a própria solicitação do campo do comportamento, do que realmente se dá à percepção, em nome de uma falada balela: a literatura marxista. Mas como literatura marxista? Então, assim, poderíamos ter uma literatura cartesiada, uma literatura aristotélica, uma literatura sofista, pois, como o faz notar Merleau-Ponty, em seu prefácio de Signes, Marx já é um clássico. O homem não é apenas, êle existe – e aquêles que envergam Marx, tendo em vista sómente os seus interêsses vinculados ao logicismo histórico da luta de classes, estão a apresentá-lo mutilado, estão fornecendo muletas que o pensamento daquele filósofo repele. “É necessário evitar, antes de tudo, o colocar-se novamente a sociedade como uma abstração frente ao indivíduo. O indivíduo é o sêr social (…) O homem é um sêr existente por si próprio, quer dizer, um sêr genérico”. É o mesmo Marx falando – e quando êle também fala no “intersubjetivismo humano concreto”, já se situa na raiz da fenomenologia. E Merleau-Ponty, em seu ensaio Marxismo e Filosofia, bem demonstra como o materialismo do autor de O Capital traduz o pensamento de que tôdas as formações ideológicas de uma dada sociedade são complementares a um determinado tipo de praxis, quer dizer, a maneira pela qual essa sociedade estabeleceu o seu vínculo fundamental com a natureza: “Constitui a idéia de que a economia e a ideologia permanecem ligadas interiormente na totalidade da história, assim como a matéria e a forma numa obra de arte ou num objeto percebido. O sentido de um quadro ou de um poema não fica destacado da materialidade das côres e das palavras, êle não é criado nem compreendido a partir da idéia. Não se compreende a coisa percebida senão depois de se tê-la visto e nenhuma análise, nenhum relatório verbal, podem substituir essa visão. Da mesma foma, o “espírito” de uma sociedade já vem implícito em seu modo de produção, porque êste último já constitui um dado modo de coexistência dos homens…”E Merleau-Ponty, no mesmo ensaio, reportando-se a Hegel, recorda a acepção de “O Capital” como uma “Fenomenologia do Espírito”concreta.
Com as implicações trazidas pela descoberta d alei da relatividade, a perspectiva de uma perquirição via fenomenologia rasgou largamente o seu horizonte. E as contingências de uma realidade atual, sob o âmbito da relatividade, induz exatamente que o homem moderno afere, ou vai aferir, relações e sob um diverso acondicionamento de sua experiência, cria tôda uma diferente gama de proposições e concepções, já desvinculadas de critério antigo de hierarquização de valôres absolutos que vigoravam sob a égide da mecânica de Newton. Daí, torna-se válido, hoje, orientar o conceito do belo no sentido do funcional, pois a palavra função denota a primazia de um contexto de relações puras na caracterização e/ou qualificação dos dados providos pelo conhecimento. Quando Cassirer, em seu estudo sôbre Einstein, aponta essa transmutação da perspectiva mecânica para a eletrodinâmica, está colocando às claras as raízes radiais do nôvo acondicionamento. E quando Merleau-Ponty – Phénoménologie de la Perception - demonstra a inexistencia do pensamnto, tomado como uma entidade isolada, está instaurando os novos prismas para a compresnão do fenômeno da linguagem: “A denominação dos objetos não vem após o seu reconhecimento – ela é o próprio reconhecimento” (…) “A palavra não é um “sinal” do pensamento, quando se entende por isto um fenômeno que anuncia um outro, como a fumaça anuncia o fogo. Ambos só admitiriam essa relação exterior, se fôssem propiciados temàticamente; na realidade, estão envolvidos, um no outro, o sentido é captado dentro da palavra e, esta, constitui a experiência exterior do mesmo”. (…) “A significação devora os signos” (…) “O pensamento não é nada “interior”, não existe à margem do mundo e das palavras”. (…) Os sentimentos e as condutas passionais, assim como os têrmos, são inventados. Mesmo aquêles que, como a paternidade, pareciam insertos no corpo humano, são, na verdade, instituições”(…) “A palavra é o excesso de nossa existência sôbre o ser natural”.
Delineia-se o diálogo radical – Física (relatividade) x Filosofia (fenomenologia) – e voltamos, aqui, à esfera da especialização. A nave espacial, a bomba nuclear ou o foguete balístico exigem uma especialização crescente. Todos conhecem os efeitos, os resultados, mas o processo é o do entendimento de uma minoria especializada. O público compreende o foguete, a bomba ou a nave espacial simplesmente porque acontecem num espaço vital e não constituem uma forma simbólica inaugural; são materialmente utilitários. Não se conhece o processo, porém o resultado final é um dado válido em si, não só porque pode ser visto, ouvido ou tocado, mas devido a ampla e constante divulgação do fato – a informação permanente. Já a obra de arte não possui o espaço vital como a sua realidade significante – ela vira num espaço virtual e a maior definição do seu sentido corresponde à assimilação de efeitos além da realidade concreta.
Com a galopante evolução da ciência, o comportamento do homem diante de seu campo de experimentos não é mais uma expectativa de caráter mágico. Mas se remontarmos a séculos atrás e remorarmos o evento de Caramuru, veremos que, num ato simbólico inaugural, os índios “virtualizara”um efeito vital – devido a estarem desprovidos do mínimo de informações que permitiam ao indivíduo civilizado não se surpreender com o tiro. De Caramuru para L’Anée Dernière à Marienbad, temos anàlogamente, a mesma espécie de reação.
Cassirer quando estipula, em An Essay on Man, que o homem é um animal simbólico, deseja provar que a sua atividade cognocitiva é um fato biopsicológicamente irreversível. E a sua capacidade de formulação simbólica vai-se transformando em dialética com o campo perceptivo. Apenas que a referida evolução científica, incidindo sôbre o complexo de vivências humanas – trazendo a decorrência da evolução dos materiais e o acúmulo das notações abstratas que conferem a normatividade dêste progresso – contaminou a obra de arte – que foge cada vez mais do alcance do conceito de expressão. Tal conceito liga-se fundamentalmente ao artesanato – êsse mesmo artesanato que, como assinalou Décio Pignatari, entra em crise com a segunda revolução industrial.
Aqui é que, diante de uma perspectiva mais totalizante, vislumbra-se o turning point da própria civilização, face à hegemonia produtiva da máquina. Repensar a própria idéia de revolução constitui uma solicitação constante, porque a mera troca de classes dominantes, é, por si só, uma abstração demasiado vaga, um facilitário para o idealismo em disponibilidade. E aqui também pesa a atuação do artista – do produto estético – pois a sua obra é fruto do transformismo paulatino das vertentes do humanismo. E o chamado artista de vanguarda é o mais compromissado, pois está, de imediato, atento à infraestrutura de materiais que irá proporcionar novos elementos para a criação.
Assim, a revolução do artista, através da obra, é a de um humanista e, não, a de um político. É a excavação da sensibilidade em novas camadas, que passarão a se sobrepor aos valôres consagrados quando êstes, superados por tôda uma cadeia de contingências, mal atendem às instigações do processo. Na visada de uma dialética total, abrangida pelo posicionamento fenomênico, sob o racionalismo da função, está a derrocada futura dos vértices absolutos para os quais convergem os sistemas de qualificações superpostas, onde certas noções, como pecado, virtude, a moral apriorística, a caridade na sua acepção entitativa etc., são vícios renitentes de um decadentismo flagrante. “Piedade, êsse monstro atarefado” (Cummings), “Piedade matou minhas ninfas” (Pound): do templo da próxima civilização serão explulsos os arcanjos do bem e os gênios do mal.

Correio da Manhã
12/01/1963

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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