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Linguagem política

Aumentam dia a dia os estudos de linguistas a respeito das relações, a nosso ver fundamentais, entre linguagem e política. Esta última, como uma espécie de arte de conquistar e exercer o poder, possui um sistema específico de comunicação, pois, mormente nos regimes democráticos, a necessidade de existir convincência pública para determinados atos ou pronunciamentos constitui fator essencial. Apesar da demagogia e do apelo à catarse coletiva em muitas ocasiões, o político (e, nessa acepção, aqui no Brasil, enfeixam-se os militares que, atualmente, são os principais oficiantes de política) tem de utilizar uma linguagem muito “precisa”, de campo semântico delimitado com nitidez, dada exatamente a repercussão imediata do que diz ou que faz. Seja flou ou seja incisivo em suas manifestações, ele sabe que uma palavra mal escolhida, uma frase mal sacada, poderão ser pretexto de contracarga dos adversários ou de desagravo do povo. Todavia, o exame da atitude de determinado político, face ao seu pronunciamento, não dará caráter exponencial às palavras mais grandiosas ou generalizantes, tipo pátria, democracia, ordem, moral, desenvolvimento, subversão, etc., e, sim, às relações entre os elementos do discurso, a partir do detalhe, visando a perceber o que ele está dizendo sem querer dizer. O político, habitualmente, só fala claro nos lances decisivos de sua carreira.
Com efeito de convencimento ou de condicionamento de toda uma nação ou de determinados setores, o alcance semântico de uma dada palavra em uso corrente é de extrema importância. Veja-se, por exemplo, no atual triste caso brasileiro, no tocante à repressão ao direito de livre opinião e de manifestação pública, a troca de jargões, ou seja a passagem do antigo termo, comunistas, para subversivos. Antigamente, açulava-se a opinião pública mediante a inoculação histérica e diuturna do anticomunismo. Exagerava-se o chamado “perigo vermelho” - houve inclusive aquela imoralidade durante o governo Dutra, que foi a cassação do mandato dos parlamentares do Partido Comunista. O mimetismo caricato do macartismo ia desde as pregações nas missas (a Igreja ainda não dera a reviravolta encetada por João XXIII), até os comics que o almirante Pena Boto colava nos muros da cidade. O terrorismo intelectual conseguiu apavorar a classe média e, todo mundo que concorria a eleições, como se fosse uma espécie de vacina, tinha de provar que não era “vermelho” (os mais ousados em seu cinismo, fotografavam-se logo ao lado do Cardeal D. Jaime Câmara). Mas, depois, não só o desenvolvimento, como a compreensão de que muitos problemas que interessam ao país nada tinham a ver com o fantasma cor-de-rosa, além da queda de Stalin e o próprio fracionamento do mundo comunista, fizeram esmaecer o anticomunismo compulsivo e o pavor de parte da população. Nova estrutura - nova linguagem - novas tendências. Veio a derrubada de Jango. Um regime híbrido e discricionário foi instalado no País à revelia do povo. A minoria militar que manobra com o poder tem de utilizar a repressão para se garantir. Mas, agora, não se precisa de um elemento de convincência destinado a ser aplicado sobre a opinião pública, porque esta, já de saída, repudia o regime. O elemento de convincência tem de ser jogado prioritariamente sobre outros setores das Forças Armadas, para assegurar, senão a adesão, pelo menos o seu conformismo. Ora, como não são notoriamente apenas as esquerdas que estão contra o regime, a expressão comunista, além de ultrapassada, não serve. Veio então a subversão. Note-se que o termo subversão é muito mais genérico e descaracterizante do que comunismo. Este individualiza mais as acusações e exige - para que elas sejam feitas - dados mais concretos e precisos em torno do seu alvo (por isto aquele IPM sobre o Comunismo caiu logo no anedotário público). Já os “subversivos”, dos quais se ocupam todos os escalões armados com o dinheiro do contribuinte, desde o Conselho de Segurança Nacional até o truculento DOPS, podem ser, não só os comunistas (com ou sem aspas), mas também os intelectuais, os estudantes, os sindicatos, os jornalistas - enfim, vai tudo no mesmo saco semântico. A repressão pode ser ampla, indiscriminada. Basta que a minoria dos lobos no poder defina qualquer dos cordeiros da grande maioria da Nação como “subversivos”. Não havendo uma abertura realmente democrática e, sim, um regime de estrutura fechada, convencer a opinião pública a respeito da validade de seus atos não é geralmente o objetivo principal da linguagem empregada pelos ocupantes do poder. O alvo são outros setores específicos, a começar por aqueles das Forças Armadas que, sem dispor do cordel de mando, podem romper com o sistema imposto de cima para baixo em nome delas.
Mas, a mera lucidez perfaz uma operação de desmonte do mecanismo semântico oficial. O verbo subverter é transitivo, pede objeto direto. Qual é este? Segundo as manifestações do Governo, trata-se de prender e combater aqueles que subvertem a ordem pública, enquanto esse mesmo Governo diz que estamos numa democracia. Ai o carro enguiça. Não foi o público quem endossou essa modalidade de ordem vigente; foi um poder extrademocrático. Então não se trata de ordem pública, de acordo com o consenso e, sim, de ordens emanadas de uma minoria fardada. Podemos até, lembrando os tempos do Brasil colônia, falar em “ordenações” da Sorbonne ou, hoje, do Conselho de Segurança Nacional. Subverter essa ordem pode ser, portanto, uma ação simplesmente democrática. Será subversiva a luta pela democracia ou para que o poder, deveras, “emane do povo e em seu nome seja exercido”, como reza o parágrafo 1º do artigo 1º da própria Constituição castelista?
Max Weber, no seu importante ensaio, O Ofício e a Vocação do Político, ressalta que a originalidade dos problemas éticos na política refere-se ao meio específico da violência legítima, da qual dispõem os agrupamentos humanos. Daí, para ele, o Estado só pode existir quando, num dado território, os homens dominados se submetem à autoridade reivindicada pelo dominador. Uma relação de domínio, garantida em última instância pela capacidade de exercer a violência. Para Weber, existem três fontes para os fundamentos do domínio, do direito a ocupar o poder, de governar: os costumes, o mito e as leis. O mito, como Cassirer tentou demonstrar, em O Mito do Estado - e sob o impacto do fenômeno Hitler - constitui uma forma simbólica gerada, pelas coletividades, cuja componente irracional é capaz de minar a ratio democrática de uma Nação. Ora, num regime democrático, é forçoso o consenso da maioria, baseado nos costumes e na lei, para legitimar o exercício do poder e a sua violência como inevitável no âmbito político, inclusive, para a sobrevivência do Estado, gera uma ética específica no terreno político, diversa daquela que condiciona as relações individuais entre pessoas civilizadas. Para o homem civilizado, a violência se consiste no mal - o Estado, daí, seria uma espécie de fonte inevitável do mal, para garantir o comportamento harmônico de uma nação. A ética do subversivo é, assim, das mais válidas, quando ele procura trocar a ordem vigente por outra que julga melhor. Isso, porém, sob o aspecto de um grupo isolado. O que dizer quando, como no caso do Brasil, não é apenas um grupo ideológico, mas a maioria do povo que deseja trocas essa mesma ordem vigente? Só se pode dizer que a violência da repressão não dispõe mais daquela legitimidade de que falava Max Weber e, então, aqueles que exercem não consentidamente o poder são forçados a usar uma linguagem cada vez mais generalizante.
São coisas como essa que geram o clima que permitiu a chacina de estudantes e populares no início deste mês e alimentará outros espetáculos de empulhação. Subversão: sim, na medida em que o Governo ainda mais subverter a democracia, o público ainda mais repudiará a ordem que lhe impingem. A falta de ética da minoria no poder já é denunciada pela sua própria linguagem.

Correio da Manhã
28/04/1968

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
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O último livro de Cabral: “Quaderna”
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A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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