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A Internacional da Juventude

Mais uma vez o marxismo de pernas pro ar. Quem está fazendo a internacional é a juventude, em qualquer lugar, em qualquer regime, seja com Tito, De Gaulle ou Franco, seja nos Estados Unidos, Tcheco-Eslováquia, Inglaterra, Itália, Turquia, Alemanha, Suécia. E, em grande parte, não são os jovens do proletariado; é a mocidade da classe média ou das elites. É o mesmo fenômeno daqui, no Brasil, onde um Governo fora da órbita da realidade ou da inteligência julga que irá “amansar a moçada” com a violência policial ou legal, como o decreto do presidente da República considerando reprovados os estudantes que não perfazerem 180 dias de aula, mesmo que os cursos fiquem interrompidos por causa das greves. E aí? A luta da juventude, além de ser internacionalmente contra a escala de valores de uma civilização em decadência, é exatamente contra o sistema, em especial, o mecanismo de acesso ao poder e a estrutura carcomida das universidades. Cruzarão os braços com o mesmo prazer com que o Governo baixou o decreto. Perder um ano letivo? Muito pior é fazer carreira numa sociedade superada. E quando se veiculam ainda aqueles argumentos de que o movimento estudantil tem as matrizes em Havana, Pequim, Moscou ou Praga, comprova-se a pobreza de espírito de quem ocupa o poder. Na própria Iugoslávia, do titoísmo lateral ao comunismo, no primeiro dia de levante estudantil, a violência encharcou-se de vítimas. Pergunta-se: quantas vítimas mais ocorreriam em Moscou? Nos Estados Unidos ou nos países da Cortina de Ferro são até inúmeros setores das classes assalariadas que apoiam o Governo contra a mocidade. Onde a internacional proletária? Só aqui ou em outras paragens onde a mentalidade dos donos do poder é extremamente subdesenvolvida que se acredita ou se pensa fazer acreditar que os estudantes estão a soldo do comunismo internacional. Invertendo a expressão de Marx: são coisa do nosso Iumpem-capitalismo, que o Governo tão bem traduz.
Os PCs vêm falindo, as novas gerações não desejam engolir grátis aquilo que Trotski chamava de “degenerescência da burocracia”. É a falácia do materialismo tout court. E a componente anarquista nesta rebelião extrafronteiras constitui elemento natural porque, como já se enxerga, não se trata de luta de classes, mas, sim, de algo mais profundo, de luta por uma nova civilização. Daí aquele elemento, que no entender de Sebastién Faure (e, depois, tão bem desenvolvido por Herbert Read, em seu Anarchy and Order) caracteriza o anarquista: negar ou lutar contra o princípio da autoridade. os libertários vivem a sua poesia de violência. Assim, as atitudes fascistóides que tomam alguns governos, como o nosso, a fim de reprimir passeatas, protestos ou manifestações estudantis são até antifuncionais. Como bem detectou Merleautruir com mais certeza o conteúdo. Inexiste bolchevismo, do qual toma a forma exterior a fim de destruir com mais certeza o conteúdo. Inexiste bolchevismo e a fúria repressiva cai no vácuo.
E, no entanto, a formação do que é a bola de neve de hoje já vinha sendo notada há muito. Em 1949, o mesmo Merleau-Ponty já denunciava a virada alienante do comunismo, do marxismo para a superstição. E, baseou-se logo de saída, na melancólica “auto-crítica” de um escritor como Lukács. Enquanto isso, no tocante a um aspecto do mundo liberal-ocidental, Jean-Paul Sartre, há mais de dez anos, fazia observar que o que se denomina de “humanidades” nos programas escolares não é mais do que o ensino dos grandes erros do passado. Ou a frase aguda de Paul Nizan: “morale c’est trou de bâle".
“Eu tinha vinte anos, não permitirei a ninguém dizer que é a época mais bela da vida.” O exemplo de Nizan já era uma denúncia tremenda do terrorismo nos moldes de sociedade secreta com que funcionava o PC. Nizan: “A falsa coragem aguarda as grandes ocasiões; a verdadeira coragem consiste em, dia a dia, vencer os pequenos inimigos”. Quando, em 1939, esse escritor (Les Chiens de Garde, Aden-Arabie, Antoine Bloyé, La Conspiration e outros) deixou o partido, não foi suficiente a bala que lhe estourou a nuca. Sartre aduz que era necessário o vazio, em lugar do inferno - era preciso que ele não tivesse morrido, mas, sim, que ele nunca houvesse existido. “Ele aprendeu que o usavam como instrumento, ocultando-lhe os verdadeiros objetivos, e que lhe assograram mentiras as quais repetiu de boa-fé: a ele, também, homens distantes e invisíveis roubaram a força e a vida: colocou em jogo toda a sua obstinação para recusar as palavras suaves e corrosivas da burguesia e, num só relance, reencontrava exatamente dentro do Partido da Revolução aquilo que mais temia: a alienação da linguagem.”
O ensaio de Sartre sobre Paul Nizan, lançado em 1960, como prefácio da edição de Aden-Arabie, de PN, e incluído posteriormente no volume IV, da série Situations, é um dos escritos mais instigantes a respeito da dualidade liberdade X intolerância, com várias passagens caindo como uma luva premonitória sobre a contingência atual. “Um jovem veio me procurar: gostava de seus pais, mas - disse com seriedade - “são uns reacionários”. Envelheci, e, comigo, as palavras: dentro da minha cabeça, elas têm a minha idade: enganei-me, pensei estar diante de um descendente de família abastada, algo carola, possivelmente liberal e partidária de Pinay. Ele desenganou-me: “meu pai é comunista desde o Congresso de Tours”. Um outro, filho de socialista, condenava ao mesmo tempo a SFIO e o PC: “uns traem, os outros se entorpecem”. Para Sartre, a esquerda, na França, expirou ao murmurar um derradeiro “sim” num dia de outono de 1958. “Nada mais temos para dizer aos jovens: são degradantes os cinquenta anos de vida nesta província retardada em que se transformou a França. Nós gritamos, protestamos, assinamos: segundo nossos modos de pensar, declaramos: “não é admissível...” ou “o proletariado não admitirá...” E, depois, ao fim, ficamos na mesma: então foi porque aceitamos tudo. Comunicar a esses jovens desconhecidos a nossa sabedoria e os belos frutos da nossa experiência? De demissão em demissão, só viemos aprender uma coisa: a nossa impotência radical”. Outras eram as palavras de Paul Nizan, cuja hibernação temporária, entre a sua morte e a reedição de seus livros, segundo Sartre, só fez rejuvenescê-lo. Nizan dizia aos jovens: “vocês morrem de modéstia, ou sem desejar, sejam insaciáveis, libertem as forças terríveis que descerram a guerra e que giram sob a pele de vocês, não fiquem envergonhados de querer a lua: isso nos é necessário - dirijam a sua ira sobre aqueles que a provocaram, não tentem escapar do mal de vocês, procurem as suas causas e destruam-nas”. Hoje, por todo o mundo, a juventude deslancha dentro desse espírito. Guerra é guerra.
A “alienação da linguagem” de que fala Sartre é um efeito comum aqui e além da cortina de ferro. Além, acena-se com a explicação do “processo” em direção a um futuro incerto, quando nem só de pão viverá o homem. Aqui, acena-se com as tradições cristãs e ocidentais, que, todavia, não impediram os brutais desequilíbrios sociais, enquanto se fabrica napalm e outros produtos afins. A forma é idêntica, lá e cá, os pretextos e as condições variam. Mas, como a linguagem é justamente uma questão de forma, de estrutura, a alienação é geral. Beatniks, hippies, provos, new left, são respostas à alienação. Marshall McLuhan, em The Medium is the Message, já demonstrou que a família não é mais a única célula básica de formação do indivíduo: em cada lar, diante das famílias, está - de saída - um aparelho de televisão. Dionisius ressurge com roupagens eletrônicas (enquanto Costa e Silva ainda namora a mecânica da palmatória concretizada em cassetetes policiais).
Ao contrário daquela de Mao, estamos frente a uma revolução cultural espontânea, feita pelas novas bases - de baixo para cima. O logicismo econômico, que apenas gera o materialismo imediatista, constitui apenas um dado do problema. As duas grandes vertentes da cultura, desde o início do século, no sentido de condicionamento existencial - Marx e Freud - fazem as pazes dialéticas, viu Marcuse - o hit da hora desta verdade. Ninguém poderá profetizar a forma de um futuro próximo. Ainda não surgiu também quem sistematizasse, em termos filosóficos, o agenciamento dos fatos que escorrem no dia a dia internacional. Mas ninguém duvidará que, doravante, cada vez mais os tiros da intolerância sairão pela culatra.

Correio da Manhã
16/06/1968

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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