Lawrence Durrell ganhou fama pelo mundo através de seu "Quarteto de Alexandria". Como poeta, é menos conhecido; ou praticamente desconhecido em paragens como a nossa. Agora numa edição bilíngüe, chegam: nos seus poemas, na tradução de Jorge Wanderley.
Poesia culta (“cult poetry”), oscila entre um forte apoio na imagem e “a dança do intelecto entre palavras”. Nesse sentido, um exegeta como David Perkins fala e invoca a poesia ensaística de W.H. Auden. Tudo bem; mas, em nossa apreensão, ele melhor se situa na linha Laforgue/T.S. Eliot. Isso vem bem nítido em poemas como “Os críticos”, “Aniversário” (dedicado ao mesmo Eliot), “Poemas de amor”, “Homero cego” ou “Estóico”.
Também há textos de justaposições e paralelismos entre os títulos e o contexto. Dois exemplos, que levariam a uma concepção de poesia abstrata em segunda instância: “O poeta” e “Luar”. Nessas duas peças, nada reza consoante o que o título emite ou insinua. Sequências de imagens, com um touchstone qual “the drumming of mythical horses/ on the walls of the womb” (“o rufar de cavalos míticos/ nos muros do útero”). Durrell contempla o além, palpita em dúvidas e descerra os ícones de sua intuição.
No correr de uma obra que balança entre o vers libre, alguma ordenação métrica e rimas assistemáticas – veja-se “Devido à América”, em saudação épica à la Whitman – chegamos a uma pepita dourada conceitual em “Faustus”: “Quão sem remo as águas da linguagem”. E, logo no primeiro poema – “Descoberta do amor” – temos o impecável arremate: “E todo o rumor da terra em derrocada/ Mais remoto do que amanhã, parece hoje”.
O tradutor não perde a passada e também dá o seu plá: “Em nome da Grande Baleia, em/ Tempo são e sacro, Amém”. Ou “Maravilhoso é ter feito e deixado/ A ‘achados e perdidos’ dos amantes/ Este sussurro ouvido por instantes”, onde põe no bolso não só o esfuziante Durrell, como também o grego George Seferis que o inspirou. Poemas em ofertorium fogem do lugar-comum.
A poesia “culta” de Durrell encorpa vários temas intelectuais. Nele, com as graças do demo, inexiste o vírus da “espontaneidade” – o agente-mor do suicídio estético. Perguntem a João Cabral. Vamos e venhamos: “Um momento como monumento a marcar/ A hora da qual Deus para de nos desgastar”. Aqui, por exemplo, ele embarca no famoso soneto de Dante Gabriel Rossetti.
Nessa toada, segue o autor invocando inúmeras figuras históricas ou literárias: Eliot, Seferis, Homero, Penelope, Eva Braun, John Donne, Édipo, Zaratustra, Ovídio, Henry Miller ou o nosso, verde e amarelo sob o céu azul de anol, Brasil – em “Christ in Brazil”, que também menciona o nosso recuperável Rio de Janeiro, “riding over Rio on his cliffs of stone” (“pairando sobre o Rio em seus penhascos”). Pode-se ler o poema (algo fraco) e ninguém ficará sabendo o que Cristo estava fazendo aqui.
Mas Durrell não brincou em serviço. Se no belo poema – indefinível – “Contagem de glóbulos” chega ao auge do distanciamento referencial, lega, em “Strip-tease”, a sua contribuição definitica e irretocável para a poesia em língua inglesa. Um texto de 11 linhas, impecável, com outra passagem intraduzível: “So swaying as if on pyres they go/ About the buried business of the night” (“Assim a oscilar como as piras vão/ Pelos acordos findos lá da noite”).
Uma obra de acasos e extremamente subjetiva. O espaço-tempo é ele mesmo – quase sempre- Durrell.
POEMAS, “Poems” de Lawrence Durrell. Tradução de Jorge Wanderley. Editora Topbooks, 208 pgs.
O Globo
17/09/1995