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Excitante autobiografia

Nessa excitante autobiografia, com o inevitável molho cinerótico e cinetílico, Paulo Cesar Saraceni traz uma importante contribuição para o enfoque do que foi o cinema no Brasil, a partir da arrancada dos fins da década de 50 até os vagidos finais da suculenta Embrafilme. “Por dentro do cinema novo – Minha viagem” (e que viagem!) não só se alimenta da narrativa, mas também oferece o suporte de documentos (cartas, críticas, ensaio, manifestos).
Lá se vão mais de 40 anos, quando conheci Paulo César Saraceni. O cenário diário era o Fluminense F.Club – quando, de fato, era um clube de elite; hoje, acelera rumo ao pátio dos milagres. Todos éramos sócio-atletas, todos desportistas – cada qual em seu ramo. A
mens sana de Sarra era o grande Otávio de Faria. Lá, no bar da sede, em Alvaro Chaves, junto com o amigo Élbio, o dr. René e outros, ele bebeu as primeiras dicas de cinema – de Otávio, crítico pioneiro (o western etc., o Chaplin Film Club). O távio sabia que Chaplin continuava o maior de todos (e prosseguirá ad eternitatem) e incutiu isto em nosso cineasta. Daí, a índole que se casou com a sua tremenda admiração por Rossellini. E sem falar em Lúcio Cardoso – quase irmão de Otávio, depois ligado ao nosso cineasta que, decorrido o tempo, devolveu-lhe uma digna versão em cores da “Casa assassinada”. Aquele mesmo Lúcio Cardoso que, além dos romances, tem uma instigante tradução do “Livro de Job” (1943): “Pois a raça dos hipócritas é estéril/ e o fogo consome as tendas da corrupção”.
O autor e cineasta procura dar todos os elementos concretos que geraram o brotar do que passou a se denominar Cinema Novo. Por que Cinema Novo? Em nossa opinião, porque começou a surgir uma consciência estética do cinema a ser feito entre nós. Além de Nelson Pereira dos Santos, eram jovens que liam as críticas nacionais e estrangeiras, frequentavam o que havia de cineclubes (aqueles do Zé Paes), discutiam a arte do filme a sério e resolveram sair do bate-frase para a realização. O embrião ainda seria o curta-metragem.
O ultra-incipiente cinema brasileiro, até então, nutria-se das evocações de “Limite” (na época, só conferido por meia-dúzia de embuçados), de algo de Humberto Mauro e do “Cangaceiro” – a única peça autêntica que sobrou daquele empreendimento chamado Vera Cruz. Va la: que se dê uma colher de chá para o “Tico-Tico no fubá” (1952). Sobrava o início da carreira sueca de Walter Hugo Khouri: depois brilhando em “Na garganta do diabo” (1959).
E começaram os minifilmes. “Arraial do Cabo”, de Saraceni e Mário Carneiro; “Couro de gato”, de Joaquim Pedro; Glauber Rocha chega ao Rio com “Pátio” debaixo do braço. Depois, é se instalar, aos poucos, no laboratório da Líder – do amigo e grande coqueiro no pôquer, Victor Bregman. Que o diga o bailarino Gugu Mendes – produtor da obra-mestra do Cinema Novo: “Deus e o diabo na terra do sol”. Bastou cultura, ou seja, misturar Eisenstein, Buñuel e “A bout de souffle”. E com o talento, evidentemente.
Mas “Couro de gato”, que já tinha sido exibido separadamente, inseriu-se no contexto do amadorismo saudavelmente experimental de “Cinco vezes favela”; pontificou entre os outros curtos: o De Sica, de Marcos Farias; o Eisenstein, de Léon Hirzman; o eu mesmo de Miguel Borges; enfim, o desalinhavado lírico neo-realista, “Escola de samba alegria de viver”, que, até hoje, ainda é o melhor filme de Caca Diegues, a lado de “Bye Bye Brasil”.
1960: no começo não havia a Ernbrafilrne - outros eram os financiadores. E, por isso mesmo, a média dos filmes era, qualitativamente, muito superior. Escassez - rigor. Sem falar em "Deus e o diabo ... " (depois, "Terra em transe" foi urna catástrofe estética), só de Rui Guerra vieram dois filmes respeitáveis: o supergodardiano “Os cafajestes” e, especialmente, "Os fuzis" - talvez o maior filme político já feito entre nós. Muito tempo depois, "Sargento Getúlio" foi uma bela resposta. E aquela fita de Suzuki sobre João Pessoa. Nelson Pereira dos Santos, com a fotografia magistral de Luís Carlos Barreto, gerou um pequeno clássico: "Vidas secas". Ozualdo Candeias fez "A margem". Lima Barreto já havia reaparecido com brilho esperado em "A primeira missa".
O cinema estético brasileiro era uma realidade. Veja-se; estou falando em "cinema" porque, naquele tempo, as pessoas ainda tinham o habito de "ir ao cinema". Realidade cultural que vai-se extingüindo. E as gerações mais novas iam também dando o seu plá. Rogério Sganzerla faz, também godardianamente, uma fita marcante: "O bandido da luz vermelha". E Júlio Bressane inicia a sua consciente trajetória de metalinguagem (ainda continua) que está fazendo as fibrilações do cerne do pensamento lírico: sem concessões.
Saraceni, nesse livro, tudo conta em detalhes: suas peripécias e perambulações. Há sinceridade nessa espécie de declaração de amor ao cine. E também urna história de luta e solidariedade. Assim como, um pouco antes, ocorreu com a poesia concreta, o Cinema Novo também deu a sua volta ao mundo. Prêmios e manifestações de apreço de personalidades respeitáveis. Tudo isso o autor transcreve. Faz uma pequena fonte de consultas.
Uma de suas peripécias da qual participei foi a luta em torno de seu filme, "O desafio". Festival Internacional do Filme - estávamos sob a ditadura híbrida do marechal Castelo Branco. Castelo era apenas um déspota esclarecido ... tínhamos, liberdade de imprensa para criticá-lo. Mas "O desafio" -um bom filme - batia em baixo. Dei meu apoio, assim corno Sebastião Lacerda e Ronald Monteiro –membros da comissão de classificação. Tudo foi parar numa sessão no Palácio Guanabara - Carlos Lacerda queria ver - mas não pôde julgar - porque, impaciente, diante do interminável diálogo inicial de Isabela e Vianinha (godardiano – sempre Jean-Luc Godard) mandou suspender a exibição.
São muito divertidas as partes do livro onde o autor relata as brigas dentro da Embrafilme, agressões físicas etc. & tal. Num flash-back, a narrativa em torno das filmagens de "Porto das Caixas" merece o realce. E muito em torno de Glauber – figura que bem conheci, ao mesmo tempo hierática e delirante. Glauber - que sonhava fazer comigo "O grande sertão", do Rosa, mas os Santos Pereira chegaram na frente, dando no que deu. Avancini, na TV, salvaria a pátria, muitos anos depois.
É bom lembrar também que houve uma primeira sessão de "Os cafajestes no auditório do Ince, onde compareceu a fina flor do pessoal. Nessa noite, depois de devidamente aplaudido e elogiado o filme de Rui Guerra, surgiram as latas do "Pagador de promessas" (nada de Cannes ainda), de Anselmo Duarte. A maioria ficou para ver. Surpresa - catarse - uma explosão de aplausos. Anselmo não me surpreendeu; já havia dirigido, antes, um, sim, surpreendemente bom espetáculo: '"Absolutamente certo!" Por que ele não é Cinema Novo?
Hoje, tudo na estaca zero - não se sabe o que vai acontecer. Mas é preciso lembrar que a arte do filme, a criação no celulóide, não é só cinema, a sala de espetáculos. Desde a fotografia estampada até o videocassete, essa forma de invenção atravessa vários veículos. Cada qual lhe confere urna modalidade de conotação. Por exemplo: se o projetor de slides fosse o único veículo para o filme, sem dúvida Eisenstein seria o maior artista do ramo. Mas corno (tal qual a papoula) não o é, basta girar os rolos e lembrar aquela foto do mestre russo, abatido, sob um retrato do gênio: Chaplin (Carlítos). O cineasta tem de pensar e projetar em diversos planos, como o da TV. Afinal, a novela "Renascer", em grande parte, foi o acontecimento deste ano que acaba.

O Globo
12/12/1993

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
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O último livro de Cabral: “Quaderna”
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Cinema e Literatura
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