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Apollinaire Estilo Criatividade

Uma vida agitada. Um ponto luminoso.

Guilherme Apollinaire: nascido em Roma, em 24 de agosto de 1880, e morto em Paris - 9 de novembro de 1918. Batizado com o nome nada simples de Wilhelm-Appolinaire de Kostrowitzky. Kostrowitzky era o sobrenome de sua mãe; o pai, nunca sabido ao certo. André Billy, em seu livro sobre ele, escrito para as edições Pierre Seghers, na série Poètes D' Aujourd'hui, admite três hipóteses: teria sido um prelado da Cúria Romana; ou o bispo de Mônaco; ou, a mais provável, um oficial do exército italiano a ter parentesco em relação à família real.
De qualquer modo, ainda criança, pouco depois do nascimento do seu irmão Albert, é levado para Mônaco, onde, enquanto a mãe, entre outras coisas, deleita-se no célebre cassino, o mencionado bispo paga o colégio dos dois meninos. Apollinaire prossegue seus estudos em Cannes e, após, no Liceu de Nice, onde também se dedica à Retórica. Aí, por volta de 1897, faz sua primeira incursão, tentando traduzir Fiammetta, de Boccacio.
Esses são os lances iniciais de uma vida de artista, criativa, polêmica, agitada, no decorrer da qual não faltaram passagens drásticas, como o encarceramento na Santé, sob acusação de ter feito parte de um grupo responsável pelo roubo de estatuetas do Louvre (e até uma hipótese de furto da Mona Lisa, de Da Vinci), bem como aquela tarde de 17 de março de 1916, quando um estilhaço de granada atingiu-lhe a cabeça, a região temporal direita. Isso porque estava mobilizado para a I Guerra Mundial. Quando veio a morrer, cerca de dois anos e sete meses depois, tomado pela gripe espanhola, ainda não estava curado inteiramente e/ou radicais, apresenta ensaios sobre artistas como do impacto da granada.
Enfim, numa biografia trepidante, não poderiam faltar vários e variados amores, cinco em especial: a inglesa Annie Playden, que segundo consta, inspirou-lhe um dos seus grandes poemas, La Chanson du MalAimé (A Canção do Mal-Amado); a seguir, foi a vez da pintora Marie Laurencin, a quem conhecera, em 1907, numa galeira de arte; as três últimas surgiram já durante a guerra: Lou, de quem foi noivo por correspondência; Madeleine Pagès, de quem ficou noivo deveras; Jacqueline Kolb, com quem se casou em 4 de maio de 1918.
A belle époque: começando no fecha-abre dos séculos XIX e XX e com o fim decretado pela I Grande Guerra. Na infraestrutura desse período, no qual, pelas tonalidades de superfície, tudo parecia um cromo de lazeres sem fim, prazeres cor-de-rosa, romantismo açucarado, leques de futilidades, trepidar de novas danças, fervilhava uma nova economia desfechada pela revolução industrial, então entre a sua 1ª e 2ª fase (do mecânico ao eletrodinâmico, da manufatura à automação). E, com isso, o espoucar das várias vanguardas no âmbito estético: literatura, cinema, artes plásticas, teatro, arquitetura etc. E, também nisso, como um dos porta-bandeiras, de penacho e tudo, Guillaume Apollinaire.
Não foi ele apenas um dos maiores poetas franceses deste século. Participou também de outros campos de atividades, especialmente das artes plásticas. Havia conhecido Pablo Picasso, em 1904, num bar da gare Saint-Lazare (amizade que foi até o término de sua vida, com vários desenhos seus feitos pelo pintor posteriormente). Picasso estava iniciando o seu adeus à fase rosa e preparava seu grande salto cubista, que se iria verificar em Les Demoiselles D’Avignon. Em suma, neste ano também conhece outra figura importante, Max Jacob. Tudo isso levou-o a enfronhar-se no cubismo e, dái, em 1913, surge um dos seus livros mais relevantes, Les Peintres Cubistes, com o subtítulo de Méditations Esthétiques. Nesse livro, além de uma introdução polêmica, com afirmações simples, diretas e/ou radicais, apresenta ensaios sobre artistas como Picasso, Braque, Metzinger, Gleizer, Maria Lourencin, Gris, Léger, Picabia, Duchamp e Villon.
Eis alguns de seus pensamentos estampados na introdução:
Encaminhamo-nos para uma arte inteiramente nova, que será com respeito à pintura – tal como a temos considerado até hoje – o que a música é com respeito à literatura.
Será pintura pura, assim como a música é literatura pura.
A geometria, ciência que tem por objetivo o espaço, sua medida e seus relações, foi em todas as épocas a regra essencial da pintura.
Pode-se dizer que a geometria é, com relação às artes plásticas, o que é a gramática com relação à arte do escritor.
Os grandes poetas e os grandes artistas possuem, como função social, a tarefa de renovar incessantemente o aspecto que adquira a natureza aos olhos dos homens.
O que diferencia o cubismo da pintura antiga é que não se trata de uma arte de imitação, mas de uma arte de concepção que tende a elevar-se até a criação.
...é preciso que nossa inteligência se habitue a compreender sintético-ideograficamente em lugar de analítico-discursivamente. Esta era uma das suas palavras de ordem, com vistas ao novo pensamento estético e que iria influenciar, não só as artes visuais, mas, em muito, a poesia. Pois, naqueles tempos, além do cubismo, já estavam espoucando o futurismo (ao qual Apollinaire devia influenciar), o dadaísmo, o orfismo e, logo depois, o surrealismo.
O movimento de poesia concreta, lançado aqui no Brasil, em 1956, absorveu Apollinaire em seu elenco de autores importantes no correr do século. É verdade que ele era um coadjuvante, vindo num segundo plano após os quatro grandes: Pound, Joyce, Cummings e Mallarmé. Este último, ainda o mais importante para a poesia em si, com o seu marco-poema – Un Coup de Dés (Um Lance de Dados) -, havia forjado o turning-point decisivo para o entendimento do que era o início da verdadeira “poesia moderna”. Novos elementos, novas relações em termos estruturais e, em decorrência, a abertura para novos efeitos e formulações no universo da palavra. Era o manuseio de páginas, a espacialização de letras e palavras, a diversificação tipográfica, enfim a ruptura ou fragmentação da sintaxe discursiva.
Apollinaire, em sua poesia - especialmente no livro Calligrammes -, ajustou alguns dos dados mallarmaicos para sua ideologia peculiar. No entanto, na maioria dos casos, cingiu-se ao "formalismo" de um mero desenho verbal, remontando, com isso, até aos antigos gregos, que faziam poemas em forma de coisas ou, séculos após, aos nossos barrocos. Assim observa Augusto de Campos, em seu artigo, Pontos-Periferia - Poesia Concreta, publicado no suplemento dominical do Jornal do Brasil, em 11 de novembro de 1956:
"O equívoco de Apollinaire está implícito nestas linhas: Quem não se aperceberia de que isto não é mais que . um início, e que, por efeito da lógica determinista que dirige a evolução de todo mecanismo, tais poemas devem acabar apresentando um conjunto pictural em relação ao tema tratado? Assim se atingirá o ideograma quase perfeito".
"Condena, assim, Apollinaire, o ideograma poético à mera representação figurativa do tema. Se o poema é sobre a chuva ("11 Pleut"), as palavras se dispõem em cinco linhas oblíquas. Composições em forma de coração, relógio, gravata, coroa, se sucedem em Calligrammes. E certo que se pode indagar aqui do valor sugestivo de uma relação fisiognômica entre as palavras e o objeto por elas representado, à qual o próprio Mallarmé não teria sido indiferente. Mas, ainda assim, cumpre fazer uma distinção qualitativa. No poema de Mallarmé as miragens gráficas do naufrágio e da constelação se insinuam tênue, naturalmente, com a mesma naturalidade e discrição com que apenas dois traços podem configurar o ideograma chinês para a palavra homem. Da mesma forma, os melhores efeitos gráficos de Cummings, almejando a uma espécie de sinestesia do movimento, emergem das palavras mesmas, partem de dentro para fora do poema. Já em Apollinaire a estrutura é evidentemente imposta ao poema, exterior às palavras, que tomam a forma do recipiente mas não alteradas por ele. Isso retira grande parte do vigor e da riqueza fisiognômica que possam ter os 'caligramas', em que pese a graça e 'humor' visual com que, quase sempre, são 'desenhados' por Apollinaire."
Outra característica da ruptura vanguardista de Apollinaire é a de que dispensava a pontuação em grande parte de seus poemas em verso: nada de ponto, vírgula, ponto e vírgula, dois pontos ou travessão. No máximo, às vezes, os pontos de exclamação ou de interrogação. Mas estes nada têm a ver com sintaxe, ritmo ou pausas; são sinalizações convencionais para exprimir inflexões imediatas. De qualquer maneira, mesmo aí, existe ainda um reflexo do mestre Mallarmé, pois este último já havia abolido a pontuação no seu Le Tombeau De Charles Baudelaire (O Túmulo de Charles Baudelaire), onde apenas há o ponto final no último verso. Aliás, os seus poemas trazem uma evidente influência dos simbolistas, também especialmente Rimbaud e Verlaine. E havia o pré-surrealista Lautréamont, cujos poemas em prosa passaram a ser valorizados nos princípios deste século. Em 1911, veio a primeira publicação de Apollinaire, como poeta: Le Béstiaire ou Cortege d'Orphée (O Bestiário ou Cortejo de Orfeu), com gravuras de Raoul Dufy; em 1913, Alcoois; em 1918, Calligrammes; em 1952 e 1956, respectivamente, as publicações póstumas: Le Guetteur Mélancolique (O Vigilante Melancólico) e Poèmes Retrouvés (Poemas Reencontrados) .
Adiante, trechos de alguns de seus maiores poemas:

Et tu bois cet alcool brulant comme la vie
Ta vie que tu bois comme une eau-de-vie
Tu marches vers Auteuil tu veux aller chez toi à pied
Dormir parmi tes fétiches d'Océanie et de Guinée
lls sont des Christ d'une autre forme et d'une autre croyance .
Ce sont les Christ inférieurs des obscures espérances
Adieu Adieu
Soleil cou coupé
(E tu bebes este álcool como a vida ardente
Tua vida que bebes como uma aguardente
Tu segues para Auteuil queres ir pra casa a pé
Dormir entre os fetiches de Oceania e Guiné
São os Cristos de uma outra forma e de outra crença
Cristos inferiores de obscura esperança
Adeus Adeus
Sol pescoço cortado)

Final de Zone

Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Et nos amours
Faut-il qu'il m'en souvienne
La joie venait toujours aprêe la peine
(Na ponte Mirabeau desliza o Sena
E nossos amores
Lembrança que ele me acena
Alegria vem sempre após a pena)

Inicio de A Ponte Mirabeau

Voie lactée o soeur Jumineuse
Des blancs ruisseaux de Chanaan
Et des corps blancs des amoureuses
Nageurs morte suivrons-nous d'ahan
Ton coura vers d'autres nébuleuses
(Via Láctea irmã luminosa
Brancos canais de Canaã
E corpos brancos de amorosas
Nadando mortos seguimos no afã
Teu percurso para outras nebulosas)

trecho de A Canção do Mal-Amado

Assim, a sua poesia oscilava entre os rigores métricos e o vers libre, sem falar nas ideografias e caligramas. Sua polivalência no campo verbal não parava aí. Além dos artigos e ensaios, escrevia crônicas satíricas e contos - estes útimos reunidos num volume denominado Poete Assassiné.
Apollinaire: um ponto luminoso.


Jornal da Tarde
12/11/1988

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
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A Grande Tradição Metafísica
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Reta, direto e concreto
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A Questão Participante
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