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Vida Breve, Arte Longa

Descoberto por Ezra Pound, Laforgue foi o criador da logopéia - “a dança do intelecto entre as palavras”

Jules Laforgue nasceu a 16 de agosto de 1860 e morreu a 20 de agosto de 1887: vida breve, arte longa. Sumiu do mapa quando o movimento simbolista ainda seguia a pleno vapor. Alguns o qualificaram de decadentista; outros de “poeta menor”.
Nasceu em Montevidéu e lá ficou até os seis anos de idade: após, Tarbes; depois, Paris. O término de sua existência se desenrolou quase inteiramente na Alemanha, pois, em 1881, foi nomeado leitor da imperatriz Augusta, casada com Guilherme 1º. Voltou a Paris em 1886, havendo passado três dias em Londres, onde se casou. Morreu jovem e pobre.
“Mon coeur hyppertropnique” - autoconfissão espiritual, ou aquilo que o ensaísta Wallace Fowlie, a propósito do pierrô laforguiano, classificou como o “projeção mandarim” - é a imagem que dele faz Henri Poyre, ao ressaltar que a originalidade de sua ironia repousa na mescla do humor e do cinismo.
Enfim, em matéria de circunvoluções genéricas a respeito de sua modalidade de temperamento, não faltaram contribuições. E, nisso, já se conhece sua faixa, a raia onde ficou praticamente insuperável: voltamos a mencionar a ironia. Ironia exige inteligência refinada e, no caso de um poeta, aquele “algo mais”: a sensibilidade de jogar com palavras, além da habilidade formal do trocadilho, das assonâncias e aliterações - tudo aliado à vivência com o idioma.
Laforgue: o intimismo, o refinamento conceitual, o antiprimitivo por excelência. Foi um poeta para leitores inteligentes, cultos - mas só os críticos realmente voltados para “essências e medulas” perceberam que o criador das “complaintes” era um dos poetas mais importantes do século 19 e que, no atual, começara a deixar o rastro nítido de sua influência em outros grandes poetas. No caso de T.S. Eliot da primeira fase, esta influência é arrasadora: basta lembrar poemas como “Portrait of a Lady” (“Retrato de Uma Dama”) ou “Mr. Appolinax”. O próprio Eliot, aliás, em “Purpose 1938”, manifesta a sua dívida para com Laforgue, quando começou a escrever em 1908/9.
Mas - além de também influenciado por ele no terreno criativo - o grande descobridor e revelador da importância de Laforgue foi outro grande poeta e talvez o maior crítico de poesia deste século: Ezra Pound. Já, em 1917, no ensaio “Irony, Laforgue and Some Satire” (Ironia, Laforgue e Alguma Sátira”), publicado na revista “Poetry”, Pound valorizava até as alturas o “poeta menor” dos críticos franceses. Depois, em 1928, no seu ensaio clássico “How To Read” (“Como Ler”), Ezra Pound inclui Laforgue no seu elenco básico de autores que levaram a linguagem para a frente. Laforgue representaria a
logopéia (“a dança do intelecto entra palavras”). Dizia então o autor dos “Cantos”: “A não ser que eu esteja certo, ao descobrir logopéia em ‘Probertius’, devemos concluir praticamente que foi Laforgue quem a inventou”.
Pound foi longe em matéria de Laforgue. O seu volume de poesias, “Personae”, evidencia quantas vezes afivelou a máscara laforguiana e, dentro disso, o melhor produto talvez tenha sido aquele poema seu com título em francês, igual ao de Eliot - “Portrait D’Une Femme” - (com a grande frase: “Uma inteligência média/com um pensamento a menos cada ano”). Em 1917, também Ezra Pound publicara, na “Little Review”, a sua tradução do poema “Pierrots”. Dizia: “O verbalismo ruim é retórica ou o uso insconsciente do clichê ou um mero jogo de frases. Mas, existe o bom verbalismo, diferente do lírico ou do imagismo, e nisso Laforgue é um mestre”. Ou mais ainda: “Nove décimos dele é o crítico, lidando na maioria dos casos com poses e clichês, tomando-se como seu tema e - e isto é o mais importante quando pensamos nele como poeta - torna-os um veículo para a expressão de suas próprias emoções muito pessoais e de sua imperturbável sinceridade”. “Parece-me que, sem familiaridade com Laforgue, não se pode apreciar, isto é, determinar os valores de positivos e negativos da poesia francesa desde 1890”.

“Vers libre”

É todo um mundo de sensibilidade, “savoir faire” com as palavras. Como inventor, deve-se logo lembrar também que Laforgue foi um dos primeiros a utilizar o “vers libre” - que seria a grande jogada poética no início deste século. Ou então a sua elaboração de palavras-valise, com a montagem de alguns exemplos: “lunologues, sang-suelles, lune-levante, violuptés, sexinroques, ennuiversel”.
“Sou apenas um ser lunar” - assim começa um dos seus poemas. Pierrô, a lua, o lamento - porém outro dos aspectos importantes é a sua distorção do lirismo. A “seriedade” do trato com o lírico recebe o seu molho de ridículo, de humor - que não deixam de refletir a visada cética, mesmo a impotência de ser aquilo que satiriza no seu dia a dia poético. As “locutions”, as “complaintes” são jogos de palavras, de trocadilhos, de invocações inversas ao que se entende pela própria expressão inovação.
Mas não param aí as piruetas com o verbo: basta notar o elemento do diálogo dentro da estrutura do verso. Talvez ninguém, antes, haja feito o mesmo e tal característica vai aos píncaros num dos seus maiores poemas, “Une Autre Complainte de Lord Pierrot” (“Um Outro Lamento de Lord Pierrô”): “Et si se cri lui part: Dieu de Dieu que je t’aime!”/ - Dieu reconnaitra les siens. Ou piqués au vif:/ - “Mes claviers ont du coeur, tu seras mon seul thème/ Moi: tout est relatif”. (E se lhe sai este grito: “Deus meu, como te amo!”/ - Deus reconhecerá os seus. “Ou est’outro incisivo:/ - Meus teclados têm alma, só tu serás meu tema.”/ Eu: “Tudo é relativo” - na tradução de Augusto de Campos). Esta é uma amostra da dicção laforguiana, praticamente inusitada na época. E tal dicção abriu um ciclo, ou seja, o “Mauberley”, que constitui o maior poema de Ezra Pound, antes de chegaram os “Cantos”, está em grande parte marcado por ela. Parafraseando o “Mauberley”, a propósito de Ezra Pound, “his true Penelope was Laforgue”. Sim, o “mot juste”.
Essa dicção era extremamente inédita - não a encontramos em Verlaine, Mallarmé ou Rimbaud. Um pouco antes, já havia algo disso em Tristan Corbière (outra grande redescoberta de Pound), mas num sentido mais “à la Villon”. Jules Laforgue vivo: porém estava esquecido.

***

A seguir, apresentamos ligeiras amostras, tentando reviver em nossa língua a fabulosa parafernália verbal de Laforgue, onde também a rima rica, a rima-surpresa consistem o seu sinete.

Pedras de Toque

Elefante de Jade, olho ao meio sorridente,
Meditava sob rico sempiterno pêndulo,
Bom Buda degredado julgando ridículo
Que se pranteie aos Nilos de poentes do Oriente
Quando pende o crepúsculo
(“Complaine des Pubertés DIfficiles”)

*

Se meu estar lhes diz alguma coisa
Não teriam razão em se constranger;
Eu não o faço por pose:
Sou a mulher: e me conhecem.
(“Notre Petite Compagne”)

*

Cauterize e coagula em vírgulas
Suas lagunas de cerejas
As felinas Ofélias
As órfãs em folia
(“Stérilités”)

*

Madona e miss
Diana-Artémis

Santa VIgia
Dessas orgias

Jettatura
De baccarats

Dama bem lassa
Desses terraços

Filtro atiçante
versos brilhantes

Rosácea e cúpula
De salmos últimos

Olho de gato
Desses resgates

Seja ambulância
De nossas ânsias

Seja edredão
Do Grã-Perdão
(“Litanier des Premiers Quartiers de la Lune”)

Folha de S.Paulo
28/08/1987

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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