“A realidade tão prima e tão violenta que, ao tentar apreendê-la, toda imagem rebenta”. Este fecho em touchstone do antológico poema, Uma Faca Só Lâmina, de João Cabral de Melo Neto, expressa bem o impacto do conhecimento, da informação tão nova, que torna impotentes os instrumentos convencionais para defini-la e compreendê-la.
O fenômeno das dezenas de milhares de testemunhos a respeito da aparição de discos voadores - ou seja - objetos aéreos não-identificados - traduz bem esse impacto, bem como a elaboração de um outro processo peculiar no âmbito do comportamento coletivo: a autocontenção do conhecimento. Essa atitude, aliás estimulada pela política da maioria dos órgãos oficiais, pode traduzir à tática do avestruz, mas não prepara a humanidade para aquilo que ela tanto almejou e conseguiu inaugurar através da ciência: a era espacial. Ora, para um estado de lucidez e de responsabilidade, diante dessa abertura ad infinitum - onde a Terra não é mais o feixe de limites ao relacionamento de fatos - é necessária a prevenção para uma avalanche de informações novas, em suma, o choque cultural. Cultura talvez não mais venha a ser resultante única das atividades do espírito humano.
Tentar, assim, explicar os fenômenos aéreos (e luminosos) mediante chavões de almanaque, tal aquela alegação de uma espécie de psicose coletiva, que leva indivíduos e grupos a verem discos e outras variantes, resume-se na atitude inquisitorial que diagnostica a loucura e coage a própria curiosidade do homem. Mesmo porque essa alegação é facilmente rebatível. Aimê Michel, por exemplo - revista Planète nº10 - nota que, pelo menos de início, a totalidade das pessoas que assistiram aos fenômenos e deram tranquilamente seus testemunhos, negava-se, no entanto, a definir o que via, a negar que se tratasse de evento fora do alcance das causas terrestres. Se assim é, basta uma ligeira incursão na antropologia ou no estudo das formas simbólicas, para evidenciar que se trata de assunto a fugir da área paranormal, pois ninguém ignora que a fixação nos mitos e crenças, ou a indução a visões, reveste-se sempre de uma intencionalidade tácita; quando não, expressa.
De modo idêntico o materialismo ortodoxo - o qual, estruturalmente, é um exemplo de religião como outra qualquer - que nega exatamente os efeitos da matéria ou da energia, quando estas, sabidamente, não são um privilégio de nosso planeta. Só aceita o primado da descoberta científica. Mas se todo conhecimento, intencional ou não, só se dá por efeito, qual, diante disso, o papel da ciência senão justamente o de descobrir as causas?
Não foi o medo da investigação que gerou Freud ou Einstein. Nem Newton, ao contrário de Adão e Eva, chorou por sua inocência com a queda da maça. Será preciso que um disco aterrisse na cabeça de algum corifeu?
Correio da Manhã
22/09/1970