jlg
literatura

  rj  
O silêncio de um mago da metáfora

Edmund Wilson prenunciou o mito Rimbaud. Ezra Pound exaltou a clareza das imagens em sua poesia. Politicamente radical, Rimbaud exacerbou o drama da linguagem, já detectado pelo Romantismo sob a Revolução Industrial

E de-repente, não mais que de-repente, um garoto muda o mundo. Rimbaud. Jean-Nicolas Arthur, nascido em 20 de outubro de 1854. Desnecessário voltar a narrar os volteios com a família e outras frescuras. Ponto final (ou de interrogação?). Era o poeta.

E por quê? Porque tumultuava todo o falar da pátria, deus & (maldita) família. Rimbaud. Quando a gente pensa que naquela época, onde tudo teria que ser certinho, ele acenava com o escândalo. Desnecessário interrogar o sexo (dele?). Tudo bem: a poesia (presumivelmente) sobrevive à burrice. Mas esta burrice é forte (Rimbaud sabia). Edmund Wilson, no seu famoso livro de ensaios, O Castelo de Axel, no capítulo dedicado a Rimbaud, prenunciava o mito. E o sempre Ezra Pound já dele dizia: "Rimbaud trouxe à fanopéia a sua clareza e objetividade".

A ironia da fase final de seus versos enseja a maturidade digna de um Laforgue: "Puis elle chante. O/ Si gai, si facile,/ Et visible à l'oeil nu ... / - Je chante avec el- le." E, enfim, a frase fatal, que marca toda uma literatura: na Chanson De La Plus Haute Tour (Canção da Mais Alta Torre): "Par délicatesse/ J'ai perdu ma vie" (Intraduzível!!). Quantos galanteios rolaram por aí (entre espelhos e bordéis).

Ele viu longe. O drama da linguagem já era detectado pelo romantismo via Revolução Industrial. Rimbaud não fez mais do que redetonar o óbvio: o indivíduo enclausurado pelo "não saber o que fazer". E daí? Vem a poesia (ou o que se chama de Poesia). "Risadas de raposas bêbadas" - diria e nosso grande Sousândrade. Rimbaud montou o Barco Bêbado - um dos maiores poemas da literatura universal -a viagem interior- e mago da metáfora: "J'ai rêvé la nuit verte aux neiges éblouies" (Sonhei com a noite verde em neves ofuscantes).

Mas era politicamente um radical. Desde colegial, clamava pela volta de Robespierre e Saint-Just: "os jovens esperam vocês!" Contra Napoleão Bonaparte, não fazia por menos: "Napoleão não entendeu nada da missão que lhe delegaram as circunstâncias. Trazido pela Revolução, abortou-a estupidamente. Em vez de organizar o comunismo, rebatizou uma sociedade tão velha, quanto iníqua".

Vamos e venhamos. Já ficou cansativo. O garoto de 18 anos que farejou alquimistas para escrever o seu histórico soneto das vogais, que mandou a poesia para córner, aos 19 anos- é demais! O poeta que amou outro grande poeta- Paul Verlaine e deixou sua vida como um rastro de caráter. Viver e morrer no verbo. Talvez pareça blague. O maior poema de Rimbaud foi o seu emudecimento. Era um profissional.


VOYELLES

A noir , E blanc, I rouge, U vert, O bleu: voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes:
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d'ombres; E, candeurs des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers fiers, rois blahcs, frissons d'ombelles;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;

U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d'animaux, paix des rides
Que l'alchimie imprime aux grands fronts studieux;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silences traversés des Mondes et des Anges;
- O l'Oméga, rayon violet de Ses yeux!

Arthur Rimbaud


VOGAIS


A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
Explico um dia vossas origens latentes:
A, negro corpete é um pêlo em moscas luzentes
Que zumbem ao redor de fedores brutais,

Golfo de sombra; E, albor de vapores e tendas,
Lanças de alto gelo, alvos reis, tremor de umbelas;
I, lacre, sangue em cuspe e rir de lábios belos
Dentro da cólera ou do torpor penitente;

U, ciclos, vibração divina em verde mar,
Paz de animais no pasto paz desse enrugar
Alquímico na fronte de quem muito leu;

O, supremo Clarim de estranhos sons diversos,
Silêncio atravessado em Anjos e Universos;
-O ômega, raio roxo entre esses olhos Seus!

(Tradução inédita, exclusiva para o "Cultura", de
José Lino Grunewald)


A ARTHUR RIMBAUD

Mortel, ange ET démon, autant dire Rimbaud,
Tu mérites la prime place en ce mien livre,
Bien que tel sot grimaud t’ait traité de ribaud
Imberbe et de monstre em herbe et de potache ivre.

Les spirales d’encens et les accords de luth
Signalent ton entrée au temple de mémoire
Et ton nom radieux chantera dans la gloire,
Parce que tu m’aimas ainsi qu’il te fallut.

Les femmes te verront grand jeune homme très fort,
Très beau d’une beauté paysanne et russèe,
Très desirable, d’une indolence qu’osée!

L’histoire t’a sculpté triumphant de la mort
Et jusqu’aux purs excès jouissant de la vie,
Tes pieds blancs poses sur la tête de l’Envie!

Paur Verlaine


PARA ARTHUR RIMBAUD

Mortal, anjo E demônio, Rimbaud que retraço,
Tens o primeiro posto aqui nesta leitura,
Embora o tolo escriba chame-te devasso
Imberbe, estudante ébrio e monstrengo imaturo.
I
Acordes de alaúde, as espirais de incenso
Indicam tua entrada em templo de memória
Teu nome radiante cantará na glória,
Pois me amavas assim com espírito e senso.

As mulheres vão ver-te um grande jovem, forte,
Esbelto, de beleza rude e refinada,
E muito desejável,na indolência ousada!

Talhou-te a história triunfando sobre a morte
E, em puro desregrar fruindo toda a vida,
Teus alvos pés pousados na testa da Invídia!

(Tradução inédita, exclusiva para o Cultura, de José Lino Grunewald)

O Estado de São Paulo
22/11/1991

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

165 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|