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Baudelaire: um século de morte

Baudelaire: um século de morte
31/8/67

"Je te donne ces vers afin que si mon nom/ Aborde heureusement aux époques lointaines,/ Et fait rever le soir les cervelles humaines. Vaisseau favorisé par un grand aquilon" - quem escreveu versos como estes era poeta de porte quase inigualável: Eu te dou esses versos porque se meu nome/ atracar com sucesso em épocas longinquas/ Faça à noite sonhar os cérebros humanos/ Navio favorecido por grande aquilão.
Mallarmé, John Donne ou o próprio Dante podem ter sido maiores do que êle como poetas para poetas, escritores do processo. Mas Baudelaire, menos nisso, foi mais em alguma coisa. A atitude, a prefiguração de um estar no mundo, fabricado pelo próprio artista - o ímpar eterno entre as paridades. Ao largo do bem & mal, da contraposição virtude x vício. Para êle, ao contrário, a virtude seria o vício ou vice-versa. Houve Lord Byron (
gentleman vampyre, como o designou Corbière). Depois é só Baudelaire ou consagração do poète maudit. Dandismo, satanismo, esteticismo, artificialismo; daí saiu tudo, emergiu a obstinação do intelectual que não aceita a natureza, que não acata e, sim, ele mesmo molda o seu âmbito. Por isso, no Elogio da Maquilagem, Baudelaire condenava a beleza natural da mulher.
Romântico, parnasiano, simbolista? A discussão entre escolas e gêneros perde até, sob um aspecto mais amplo, o seu sentido diante da obra que dura há um século e encontra nesta fase tão aberta à experência do século atual a reposta ao estabelecimento por êle. A sofisticação no vestir, o LSD como retomada do opium, o requinte em todo o seu revigoramento neopagão: "luxe, calme et volupté". Época de neurose, ou de spleen permanente. Tédio, angústia, hipocondria: "et l’Angoisse atroce, despotique, sur món crâne incliné plante son drapeau noir" (e a angústia atroz, despótica, sôbre o meu crânio inclinado finca a sua bandeira negra). Baudelaire influenciou quase a tudo e todos na sua área temática: êsses versos acima são pais daqueles do nosso Augusto dos Anjos.
Saber estar só e se bastar - mesmo vítima da miséria, da moléstia ou da moral. É assim que ele, no Le Mort Joyeux (O Morto Alegre), diz: "Dans une terre graisse et pleine d'escargots/ Je veux creuser moi-même une fosse profonde/ Ou je puisse à loisir étaler mes vieux os/ Et dormir dans l'oubli comme un requin dans l'onde" (Numa terra untuosa e cheia de caracóis/ Eu desejo cavar uma fossa profunda/ Onde possa à vontade espalhar meus velhos ossos/ E dormir no olvido como um tubarão no mar). "La conscience dans le mal" - êste o paradigma baudelairiano.

Charles Baudelaire nasceu a 9 de abril de 1821, em Paris, na rue Hautefeuille 13. Aos vinte anos fazia os primeiros conhecimentos literários, a começar por Balzac e Nerval (êste, como poeta, de certo modo, seu precursor). No ano seguinte, são Gautier e Theódore de Banville. Também nessa época se torna amante da mulata Jeanne Duval. Em 1845, tentaria o suicídio, após redigir um testamento legando tudo de seu a Jeanne. A partir de 1852, começa a ser o grande divulgador e tradutor da obra (importantíssima) de Edgar Allan Poe. A 25 de junho de 1857, está nas ruas, à venda Les Fleurs du Mal. Poucos dias depois, Le Fígaro condenava o autor pelas "monstruosidades" que expunha no livro. Poucos dias após, era condenado e multado pelo Tribunal, enquanto os seus editores obrigados a retirarem seis poemas do volume.
Os últimos dez anos de vida não diminuíram em intensidade. Republicou Les Fleurs du Mal em edições aumentadas e os poemas em prosa, Le Spleen de Paris. Todos os seus escritos de estética, de critico de arte, estão reunidos, assim como as traduções de Poe. No dia 31 de agosto de 1867, morreu às onze horas da manhã, já com afasia e semiparalítico.
''O Mort, vieux capitaine, il est temps! Levons l'ancre/ Ce pays nous ennuie, ô Mort! Appareillons!/ Si le ciel et la mer sont noirs comme de l'encre/ Nos coeurs que tu connais sont remplis de rayona! (Ó Morte capitã, é tempo! alçar âncora./ Essa terra entedia, ó Morte! Aprontemo-nos!/. Se o céu e o mar são negros assim como tinta/ Os nossos corações estão cheios de raios): o alexandrino era uma das formas por excelência do verso baudelairiano, isto em face já das características da língua francesa, com grande parte das palavras em acentuação oxítona a facilitar a armação das hemistíquios. E, projetado por essa arquitetura de dicção (onde também comum era o verso de oito sílabas), o seu spleen ou ennui eram fonte de imaginação - imagens insólitas germinadas no tédio ou desespêro. que o tornaram, junto com Rimbaud, Lautrèamont e Nerval, em precursores do surrealismo no século XX, que levaria às últimas consequencias aquilo que Herbert Read denominou dentro dêsse movimento como princípio romântico.
T. S. Eliot, num ensaio a respeito do autor de Les Fleurs du Mal, observou: "seu ennui pode naturalmente ser explicado, assim como tudo pode ser explicado em têrmos psicológicos ou patológicos; mas êle é também, sob um ponto de vista oposto, uma verdadeira forma de acedia, a se projetar da fracassada porfia por uma vida espiritual". Sartre encerra o seu livro famoso sôbre Baudelaire - e que tantas polêmicas provocou - afirmando que ''êle traduziu uma experiência em recipiente fechado, algo como o homunculus do Segundo Fausto, e as circunstâncias quase abstratas da experiência, com lucidez inigualável, permitiram-lhe testemunhar esta verdade: a livre escolha que o homem faz de si mesmo identifica-se totalmente com aquilo que se denomina o seu destino". Robert Vivier, autor de outro volume, Atualidade de Baudelaire, confere o enfocamento das afinidades vida-arte, a artevida de CB "vê-se que espécie de elo íntimo e profundo unia a psicologia de Baudelaire à sua técnica poética: esta foi para êle bem mais do que uma necessidade prática, foi o único meio de chegar aos fins designados pela fatalidade de sua natureza". Enfim, as considerações de Jean Pierre Richard: "palavras, ritmo, imagens, sentimento, tudo se torna poroso, ressonante, translúcido, tudo se impregna de ecos, tudo escapa e se reúne em tudo, tudo se desenrola num clima de solenidade, que, para Baudelaire, caracteriza a grande poesia".
De poeta para poeta, talvez melhor homage ainda seja a de Mallarmé, em um dos seus notáveis sonetos, Le Tombeau de Charles Baudelaire, com o fabuloso terceto final: "Quel feuillage séché dans les cités sans soir/ Votif pourra bénir comme elle se rasseoir/ Centre le marbre vainement de Baudelaire". Em vão contra o mármore de Baudelaire. É todo um estilo de vida, apenas renovado pela química dos costumes, é assim que a obra sempre convida a ser relida, "hypocrite lecteur, mon semblable mon frère!"

Correio da Manhã
31/08/1967

 
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