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A poesia do sangue

Satanismo, esoterismo, erotismo, esteticismo - todo estes "ismos" compõem boa parte do elementos que desaguam concepção de vampisrismo, faceta do gênero "gótico", assumido há longo tempo por artistas plásticos, romancistas, contistas, poetas e (mais tarde) cineastas, como Francis Ford Coppola. O ''Dicionário Filosófico", de Voltaire, definia o vampiro como sendo os mortos que, durante a noite, saíam de seus cemitérios a fim de sugar o sangue do vivos, fosse através da garganta ou do ventre. As vítimas emagreciam, empalideciam, definhavam; e os sugadore engordavam, passavam a ter cores avermelhadas.
A crença popular desdobrou variantes, a começar por aquela de "estrige", provinda etmologicamente do grego ''strix'' e que diz respeito a uma espécie de ser, meio mulher, meio cadela, que, segundo lendas antigas, andava pela noite com o objetivo de captar sangue do homens. Havia outra - de "ghoul", proveniente do árabe - vampiros ou vampiresas que seduziam e devoravam os homens, bebendo seu sangue. Victor Hugo falava destas últimas em sua "Balada 14", nas "goule ", "cujo lábios/ jamais se nutriam/ do sangue negro dos mortos" E na ua "Quinta Ode", sob o título de "O Morcego", refere-se ao vôo que "semeia um odor de tumba e de poeira humana''.

Drácula é o mais famoso dos vampiros graças ao cinema

Depois de tanta crenças e legendas, os vampiros foram pintados, romanceados, teatralizados e, enfim, filmados. Por causa do cinema, o mais conhecido, charmoso e poderoso vampiro ficou sendo o Conde Drácula - pelo menos, entre o fictícios. Mas, primeiro, em 1897, aconteceu o romance.
Bram Stoker o autor, nasceu em Dublin, Irlanda, em novembro de 1847, morreu em abril de 1912, em Londres. Influenciado por " Carmilla", de Sheridan Le Fann, criou o seu " Drácula", a vertente masculina do "ghoul ", inspirado no nobre e chefe militar Drakula, terror da Valáquia no século 15. Trata- e de um livro com estrutura de narração inventiva, mediante o entrelaçamento de diários, cartas, cartas comerciais, telegramas, notícias de jornal, em linguagem escorreita e/ou sucinta. Stoker, no mesmo mês (maio) do lançamento da obra, adaptou-a para uma leitura teatral, com vistas a proteger-se de pirataria literária. Mal sabia o que viria depois. E para eu bolso, se vivo estivesse.
O ator Christopher Lee, que fez o papel-título em "Horror of Dracula", dirigido por Terence Fisher e com uma bela fotografia de Jack Asher, assim se manifestava: "A interpretação trazia igualmente um problema de natureza sexual: o sangue, símbolo da virilidade, e a propensão sexual que se vincula, sempre estiveram bem mesclados com o tema universal do vampirismo. Tive que tentar sugerir isso sem destruir o papel, desvirtuando-o. Acima de tudo, nunca esqueci de que o Conde Drácula era um 'gentleman', homem de alta nobreza, e, na sua primeira existência, um grande soldado e um grande líder".
Ao estourar com o cânones do racionalismo clássico, o romantismo não iria deixar escapar a vereda dos vampiros. Era a egunda etapa de uma luta entre Apolo e Dionísio, cuja primeira ("logos" versus "mythos"), como bem enfatizou Nietzsche, em "O Nascimento da Tragédia", desenrolara-se na Grécia antiga, há dois milênios.
Antes de Bram Stoker, alguns do grandes poetas do século passado já se mostravam afinado com o vampirismo - um dos braços mais acionados do satanismo, da demonologia. Sem falar em Victor Hugo, já citado, podemos iniciar, entre outros, com Lord Byron - o badaladíssimo Byron, o poeta mitológico, aquele que Tristan Corbière denominou de "gentleman-vampyre''.
Sabe-se bem da influência (mais pela idéia e vivência do que pela estética) de Byron sobre a literatura francesa. Mario Praz, em seu importante "The Romantic Agony" descerra diversas evidências, enquanto, por seu turno, Otto Maria Carpeaux considerava Baudelaire como "o último byronjano". No poema narrativo, "The Giaour (a fragment of a Turkish tale)" - "O Renegado (um fragmento de uma história turca" -, de 1813, temos, por exemplo, o seguinte trecho: ''mas primeiro na terra como o Vampiro propagou,/ teu cadáver será da tumba arrancado:/ então, sinistro, assombra a tua região/ e suga o sangue de tua raça inteira,/ então, de tua filha, irmã, esposa,/ à meia-noite faz escoar o rio da vida..." No seu poema dramático "Manfred", Byron passeia no assunto: "meu abraço foi fatal/ Amei-a e a destruí'' Aí também figuram espíritos, mistérios, montanhas, o castelo etc - alguns dos ingrediente que e tornaram fatais.
Na poesia francesa, o mergulho do vampiros foi profundo. Mérimée desfere suas doses em "La Guzla", escrito em 1826. Mario Praz assinala que seu vampiro possui todo o charme perverso do herói byroniano: "Quem poderia evitar o fascínio de seu olhar? Sua boca é sanguinolenta e sorri como aquela de um homem entorpecido e atormentado por um amor hediondo". Lautréamont, logo no primeiro canto de " Maldoror", emite o sinal: "quem permaneceu inconsolável pelo resto da existência, porque sua dignidade ferida via ali uma prova flagrante da maldade dos homens, que se mostra no primeiro ano a fim de crescer em eguida. E se cognome era o vampiro!...''.
E chegamo ao vértice: Baudelaire. Ponto de convergência disso tudo e/ou fase de irradiação. Já disseram que a frase de Proudhon - "Deus é o mal" - aplica-se a ele como uma luva. Ele mesmo que afirmara ser Satã o tipo mais perfeito da beleza viril.
Dizia esse "dandy" que a "única e suprema volúpia do amor jaz na certeza de fazer o mal", ("Fogos", parte dos "Jornais Intimos"). Também surge a face de sadismo ressaltada, entre outra , por Jean-Pierre Richard, em "Poèsie et Profondeur" a propósito de poemas como "L'Heautontimorouménos" ou "Une Martyre". Ou o erotismo peculiar "quando a água da tua boca reeleva-se/ à beira de teus dentes/ penso estar bebendo um vinho da Boêmia.'' Mas, diante de tudo isso, T S. Eliot não e assusta; afirma que o satanismo foi uma tentativa de e chegar ao cristianismo pela porta do fundos.

“Baudelaire achava Satã o mais perfeito exemplo de beleza viril”

Pode-se oferecer vários flashes do afeto de Baudelaire pelo vampirismo. Em "O Vampiro", asim termina: ''Teus beijo ressuscitariam/ O cadáver de teu vampiro" Em "O Heautontimorouméno", finaliza: "Sou o vampiro do meu peito,/ Um dos grandes abandonados/ Ao riso eterno condenados/ E nem mais sorriam, sem jeito!" Em "As Metamorfoses do Vampiro": "Meus dois olhos fechei em meu frio pavor/ E quando o reabri ao vigor do fulgor/ A meu lado, em lugar de imenso manequim/ Que parecia possuir sangue sem fim/ Bem dispersos tremiam restos de esqueletos''.
Suspiram, deliram, expiram... os vampiros. No século 20, o cinema, com seu maior poderio de efeito, suga e saqueia o que sobrou de uma linhagem literária. Se a própria razão de ser do romance entra em questão, muita mais a de um gênero datado. Mas, apesar de tudo, novos caninos e sangue fresco podem pintar no horizonte ou nas esquinas da vidamorte…


Biblioteca dos vampiros

A Esposa de Corinto (1797), de G. W Goethe
Vampirismo (1821), de E. T Hoffman
La Morte Amoureuse (1836), de Théophile Gautier
Carmilla (1872), de Joseph Sheridan Le Fanu
Dracula (1897), de Bram Stoker
The Vampire: His Kith an Kin (1920), do padre Montangue Summers
Vampires and Vampirism (1924), de Dudley Writhg
The Vampire in Europe (1929), do padre Montague Summers
I am a Legend (1954), de Richard Matheson
I Vampiri tra Noi (1960), de Ornella Volta e Valerio Riva
Loups-garous et Vampires (1960), de Roland Villeneuve
Io Credo nei Vampiri (1961), de Emilio De’Rossignoli
Les Vampires (1962), de Tony Faivre
II Vampiro (1964) de Ornella Volta
A Biography of Dracula (1969), de Harry Ludlam
A Natural History of the Vampire (1972), de Anthony Masters
A Dream of Dracula (1972), de Leonard Wolf
Alla Ricerca di Dracula (1973), de Radu Florescu e Raymond T. MacNally
The Truth about Dracula (1973), de Gabriel Ronay
A Clutch of Vampires (1974), organizado por Raymond T. MacNally
The Vampire in Fact, Legend and Art (1974), de Basil Copper
The Seal of Dracula (1975), de Barrie Pattison
The Dracula Book (1975), de Donald Glut
The Vampire Film (1975), de Alain Silver e James Ursini
The Dracula ScrapBook (1976), organizado por Peter Haining
Le Musée des Vampires (1976), de Rolland Villeneuve e Jean-Louis Degaudenzi
The Man Who Wrote Dracula: a Biography of Bram Stoker (1976), de Daniel Farson
Ler Vampirisme (1977), de Robert Ambelain
Uomini o Vampiri (1978), de Gabriele Rossi-Osmida
II Mito del Vampito in Europa (1979) de Renato Agazzi
Dracula (1980), organizado por Leonard Wolf
Mythologie du Vampire en Roumanie (1981), de Adrien Cremene
Vampires (1981), de Bernhardt J. Hurwood
Dracula – Storia e Leggenda di un Incubo (1984), de Ivan Lantos
II Libro dei Vampiri (1985), de Fabio Giovannini

Folha de S.Paulo
04/12/1992

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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