A viagem
autora: Virginia Woolf
assunto: o primeiro romance da escritora inglesa, de teor requintado, aborda as perplexidades intelectuais e vivenciais de um jovem no início deste século
A idéia da viagem em consonância com a de vivênciafosse - na primeira ou na terceira pessoa- esteve sempre presente no pensamento e obras de grande parte de poetas e ficcionistas. A viagem real - o deslocamento de um lugar para outro; a viagem mental e/ou sensorial - o deslocamento do imaginário. Enfim, em analogias paralelas, os dois tempos: o real - a lógica do relógio; o psicológico - a duração, determinada por tensões e distensões. Essas divagações são consequencia de
A Viagem (Thevoyage Out), em tradução de Lya Luft, primeiro romance de Virginia Woolf, datado de 1915 e lançado agora aqui entre nós. E foi uma estréia de maturidade. Em matéria de influências, muitos falaram em Proust, Joyce, Henry James ou Katherine Mansfield. Mas a impressão que a sua leitura nos dá é de que, de todo esse possível amálgama, a escritora, vinda de um grupo de intelectuais do período pós-vitoriano, já tinha o seu percurso auto-alimentado.
Como diz Otto Maria Carpeaux, em seus romances o tempo físico não existe. E poderíamos aduzir: só como pretexto. Mas, isso que por si só, mesmo na época, já não seria inovação, ganha em
A Viagem a formação de um novo elemento infiltrado na narrativa: "os tempos mortos" - uma sensação análoga àquela que, posteriormente, o cineasta italiano Michelangelo Antonioni conferiu a seus filmes (
A Aventura,
A Noite e
O Eclipse). Essa sensação de inutilidade do que está acontecendo envolve todo entrecho, desdobrado em três cenários: Londres (inicial e breve), a embarcação e Santa Marina (América do Sul). A exceção é exatamente o capítulo XXV, em que se relata o início da doença (não nomeada) e morte de Raquel. Aí, a surpresa para leitor e personagens traduz de certa maneira um evento que se desloca do contexto. Tal espécie de história dentro da história é comum em Virginia Woolf. Além do que ocorre nessa sua Viagem, no caso de Orlando, intencionalmente ou não, há uma parte inicial que se desprende do restante; e, em Mrs. Dalloway, a "história de Septimus Warren Smith" dispensa chamar a atenção.
Como dizia William Wordsworth: "Um espírito, para sempre/ viajando através de estranhos mares do pensamento, só". A "viagem" de Yirgnia Woolf foi começada por esse livro de verniz fortemente intelectual (diálogos das personagens e transcrições de autores) e cuja elaboração foi torturada. Basta ler o apêndice, de Elizabeth Heine, sobre as revisões da autora. Ali se diz: "Um romance quase miraculoso sobre o poder da morte..." Mas não seria uma busca do significado de viver? Luta inútil, se a vida for encarada como fração de algo progressivo. Seria ela, sim, um relance do processo- aquilo que o filósofo inglês Alfred North Whitehead denominou de "permanência do infinito nas coisas finitas"
Revista IstoÉ
23/06/1993