Grana
Autor: Martin Amis
Ideia: o escritor inglês cobina dinheiro com orgia, delírio e palavreado cru, num romance ambientado na Inglaterra e nos Estados Unidos
Martin Amis apresenta esse seu quinto livro como o bilhete de um suicida. Narrado na primeira pessoa – decorrente evidência da falsa ou hipotética autobiografia - estamos diante de um texto que acumula, quase página a página, situações insólitas, a navegar num palavreado aberrante. Certo: o romance não peca pela falta de intenção de ser original.
O jogo da trama procura ser engenhoso. A personagem principal (o eu) chama-se John Self - sobrenome que, em inglês, significa o próprio, o mesmo, já numa primeira sinalização do arremedo metalinguístico. Completando tal indução, há uma personagem de nome Martin Amis, ou seja, o nome do mesmo ou próprio autor emergindo em terceira pessoa. Personagem que também é escritor. Navegam pelo entrecho recheado de muito coito e muito porre - tudo a serviço do naturalismo rococó. Mas os diálogos que povoam esse mundo noir e intelectual de Grana (O Bilhete de um Suicida) não irão espantar o leitor razoavelmente experimentado. Desnecessário citar o santo Marquês de Sade. Basta quanto ao século passado, por exemplo, lembrar Os Rougon-Macquart de Émile Zola, com as mulheres capando o dono do empório e espetando seu pênis numa estaca, em Germinal; o Jesus Cristo campeão de traques, em A Terra; ou a mulher se entregando a outro diante dos vômitos do marido bêbado, em A Taberna. Zola, o pai do naturalismo, foi deveras escandaloso para a época, mas também funcional. Hoje, basta ligar a tevê...
Amis não parece, entretanto, ser um amador desonesto. Busca proporcionar densidade a inúmeros trechos do relato pela inoculação metafórica. Exemplos: "um pânico de treva pantanosa" (p. 341 ); "um homem de pernas tortas como um compasso quebrado" (p. 271 ); "o elevador me sugou em direção ao céu" (p. 19). Há uma farta intromissão poética, assim se vê, com o molho da filosofia de bolso: "Existe uma filosofia moral da ficção? Quando eu crio uma personagem e a faço passar por certas provações, que estou querendo... moralmente?"
(p. 274 ).
Até para corroborar com uma das veredas da história - a realização de um filme -, a narrativa tenta adotar, por analogia, um ritmo cinematográfico. São sequências esfuziantes, com agitação, diálogos pesados, violência, pileque, mulheres prontas para tudo, sofisticadas, desinibidas, amorais (esta última palavra, como deve ser de praxe, sempre apontando para o bom sentido). O amor é amoral...
O texto oferece dificuldades para a tradução, exigindo mesmo um tour de force. Por isso as chamadas ao pé de página e a invocação ao anjo da guarda, Eric Partridge com os seus dois volumes do dicionário de gíria e inglês atípico. Só não pôde socorrer as cenas dos jogos de xadrez e tênis, especialmente este último, que, sem a terminologia adequada e específica, se tomam algo incompreensíveis.
Revista IstoÉ
06/11/1993