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O Livro de Jó Descerra os Meandros da Tradução

O Livro de Jó - Descerra os Meandros da Tradução

A versão em português do texto bíblico é a principal obra do poeta José Eloi Ottoni
Nem sequer a saliva é meu sustento ? [...] Ah! Não soltas do teu furor as iras? / Eis que eu durmo no pó...
Se me buscares / Amanhã já não sou, bem que me firas.
O Livro de Jó


Essa epígrafe denota a marca de José Elói Ottoni, um poeta nosso da fase colonial. Um poeta esquecido, quase desconhecido, que destruiu ou teve destruída boa parte de sua obra. Mas, agora, o melhor dela- a tradução do Livro de Jó, do Antigo Testamento, em versos decassílabos - vem relançado. Massaud Moisés (no Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira) o aponta como "lídimo precursor do romantismo entre nós". Mas as traduções da Bíblia são mais instigantes sob a ótica de um corte sincrônico. Veja-se o final do capítulo 3, das "Paráfrases dos Provérbios de Salomão em Verso Português", agora em redondilha maior: "C' roa-se o sábio de glória, / Porque um dia se humilhou: / O insensato se confunde, / Do nada a que s'exaltou". A mesma passagem na versão do padre Antônio Pereira de Figueiredo está reduzida ao laconismo prosaico: "Os sábios possuirão a glória: a exaltação dos insensatos será a sua ignomínia".
O Livro de Jó é um dos mais ricos e "modernos" componentes do Antigo Testamento, no qual o dogmatismo fica minado pela dúvida e abalada a idéia de que a desgraça constitui fruto do pecado. Monsenhor José Alberto de Castro Pinto (na edição Barsa de 1965) estipula que se trata de um drama em três atos com um prólogo. Mais recentemente, José Schiavo, em seu Novo Dicionário de Personagens Bíblicos, discorre sobre a última possibilidade de redação do Livro, entre 600 e 400 a.C., sua origem sumeriana, e, em apoio disso, faz referência às descobertas de uma expedição Americana às ruínas de Naipur. Seria um conto. "Jó teria vivido no sul da Judéia, talvez em Edom", comenta Schiavo.
"Publica o mar: -Um fundo de divícias, / A pérola, o coral eu crio e tenho: / Mas não tenho sequer nem as primícias / Da luz, que emana d'imortal desenho." José Elói Ottoni faz um tour de force e seu trabalho ressurge como um "ponto luminoso" na trilha do traduzir.
Na época da invenção da imprensa, apenas 33 línguas possuíam algo da Bíblia e, por volta do começo do século XIX, esse número passou para somente 71. No entanto, na primeira metade do século atual, subiu para mais de 500 idiomas e dialetos. Eugène A. Nida, em seus Princípios de Tradução Exemplificados pela Tradução da Bíblia, ressalta, apesar dos números acima, as dificuldades desse encargo. Diz que a reprodução da palavra que corresponde exatamente ao original pode distorcer inteiramente o significado. Continuando, "todos os tipos de tradução envolvem perda de informação, acréscimo de informação e/ou desvio de informação". Pois a comunicação é um processo de mão dupla, mesmo que uma só pessoa esteja falando. Daí, nada a estranhar que Haroldo de Campos crie o termo transcriação ou que José Elói haja elaborado seus decassílabos.
Vamos então a quatro versões do último versículo do capítulo 38: 1) "Quem prepara ao corvo o seu sustento, quando os seus filhinhos, vagueando, gritam a Deus, por não terem
que comer?" (padre Antônio Pereira de Figueiredo); 2) "Quem do corvo os filhinhos alimenta? / Da fome ao impulso vagueando grasnam / Reconhecem a mão, que os aviventa" (J. E. Ottoni); 3) "Quem prepara aos corvos o seu alimento, quando os seus pintainhos gritam a Deus e andam vagueando, por não terem de comer?" (padre João Ferreira D' Almeida); 4) "Quem prepara a ração do corvo / quando seus filhotes gritam / ao Poderoso / E a esmo se agitam / à míngua de alimento?" (Haroldo de Campos).
Temos as linhas de convergência verbal, sendo que a de Haroldo de Campos é a única a chegar direto do hebraico. Aquelas dos dois religiosos refletem a opção mais prosaica. Aí está um exemplo das variantes de Nida.
Se Walter Benjamin ("A Tarefa do Tradutor") afirma que tradução é forma e J. C. Catford (Uma Teoria Linguistica da Tradução) assevera que linguagem é forma e não substância, ficamos na constatação de que o ato de traduzir é um ato significante, na acepção saussuriana. Como dizia Roman Jakobson, "duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes". Essa edição do Livro de Jó, na recriação histórica de José Elói Ottoni, constitui mais um elemento para o debate em torno da tradução - principalmente de textos poéticos ou parapoéticos. Voltando a Walter Benjamin: "Toda escrita importante, em qualquer escala - porém, mais do que qualquer outra, a Escritura Sagrada - contém, entre suas linhas; a sua tradução virtual. Aquela do texto sacro é o protótipo ou o ideal de toda tradução".

Folha de S.Paulo
14/02/1993

 
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