Esse ano de 1972 assinala o centenário da publicação da primeira parte de uma obra que é essencial no que significa como término de todo um ciclo cultural e simbolização, sob a aparência decadentista, de um movimento que iria libertar em definitivo a linguagem literária do logicismo clássico: o
Axel de Villiers de L'Isle-Adam.
Não foi à toa que Edmund Wilson deu o título de O Castelo de Axel (Axel's Castle) ao seu livro que estudou os fundamentos e a significação do movimento simbolista. Nada melhor do que essa peça sob o signo "noite, desespero e pedraria", utilizando, aqui, as palavras de Mallarmé.
Jean-Marie-Mathias-Philippe-Auguste de Villiers de L'Isle-Adam nasceu em Saint-Brieuc, em 1838, filho de um marquês. Em 1859, já em Paris, começou a ter os primeiros contatos com os simbolistas e a lançar seus poemas. Seu encontro com Mallarmé data de 1864. Passou a publicar dramas em prosa (Elen, Morgana) e, em 1867 fundou a Révue des Lettres et des Arts. Em 1871, as dificuldades financeiras começaram a tornar a sua vida extremamente penosa, o que não impediu de prosseguir seus trabalhos: os Contos Cruéis, o romance L'Eve future e Axel tornaram-se os principais e mais conhecidos. Em 1884 ganhava celebridade e colaborava regularmente no Figaro. Em 1888, viajou à Bélgica, convidado para pronunciar diversas conferências. No ano seguinte, 1889, no dia 18 de agosto, morre de câncer no aparelho digestivo.
Axel é uma peça de teatro que vive mais da poesia do que do próprio drama, isso é, a sua leitura já projeta, isoladamente, os efeitos principais previstos pelo autor - encerra o âmago de sua linguagem. A representação cênica seria mais moldura, suporte do signo literário, embora, evidentemente, proporcione a contribuição do espetáculo, que faculta o dimensionamento quantitativo dos efeitos. Curioso notar que a idéia de teatro, sempre presente no instrumental de Mallarmé, veio a se consumar por meio de Villiers. Esse havia, em 1870, participado da leitura de "Igitur" feita pelo mesmo mestre e, quem sabe, projetou-o figurativamente no Axel. "lgitur" é um conto filosófico-teatral a antecipar o desenlace do "Lance de Dados", a obra que, verdadeiramente, inaugurava a poesia moderna em termos de linguagem.
Por outro lado, tal como Mallarmé (e, possivelmente, com mais intensidade), Villiers havia mergulhado nos estudos e especulações oculistas; e isso vem inscrito na obra de ambos. O fantástico, o absoluto, o vazio, o nada.
Axel se divide em quatro atos bem distintos. Cada qual possui um título bem indicativo: primeiro: "O Mundo Religioso" (renúncia de Sara no dia de sua sagração); segundo: "O Mundo Trágico" (encontro de Axel D'Auersperg com seu primo Kaspar, no castelo, revelação do tesouro ali oculto e morte desse último por causa da ambição); terceiro: "O Mundo Oculto" (diálogo de Axel com seu mestre Janus quando esse prevê que ele não resistirá à tentação da vida, ou seja, do conhecimento efêmero, enquanto Sara chega ao castelo); quarto: "O Mundo Passional" (encontro de Axel e Sara nos subterrâneos do tesouro, a tentação da ambição, o amor e o suicídio de ambos).
Além da precisa geometria arquitetônica do entrecho, em que se opera um mecanismo implacável de fatalidade e glória do Ser, o que se ressalta na peça e lhe confere a perenidade representativa do simbolismo é a extrema riqueza do texto. Aqueles efeitos cintilantes da língua, onde, por coincidência ou não, todas as palavras do soneto mais encantatório e esotérico de Mallarmé, "Ses purs ongles", estão contidas, espalhadas como retransmissão de um código ou quebra-cabeças da leitura para os iniciados.
De qualquer forma, Axel se afirma com a grandiosidade de ourivesaria que explica a criação. É só voltar às coincidências - 1872 (23 de outubro) também foi o ano da morte de Théophile Gautier, o lançador do l 'art pour l'art. E o artista não tem outra coisa a fazer.
Correio da Manhã
06/01/1972