Depois do livro de Victor Erlich - Russian Formalism foi Tzevan Todorov quem se encarregou de repor em circulação, em 1965, vários textos teóricos dos formalistas russos, com o seu Théorie de la literature. Todorov encontra-se justamente aqui no Brasil, realizando cursos e conferências a respeito do exame da literatura como fenômeno linguístico.
É realmente da maior importância a contribuição que aqueles escritores deram no sentido de tornar a análise da literatura, não um problema meramente retórico de crítica estilística ou um exercício de impressionismo. Assim, são fascinantes os ensaios de um Roman Jakobson, um Tinianov, um Brik ou um Tomaschevski, ao examinarem fatos linguísticos, os problemas da narrativa, na prosa ou a criação poética. Talvez haja sido o primeiro movimento sistemático destinado a captar as valências da literatura, consoante um método científico, e dentro da meta de formular uma teoria dotada de fundamentos filosóficos.
Na União Soviética, por voltar do decênio de 1920, respirava-se ainda a liberdade para as pesquisas de vanguarda. O futurismo, com Maiakóvski à frente, já havia permitido o salto experimental da poesia (o mesmo Maiakóvski, que, posteriormente, atacado pela burocracia estalinista, acuado pelo Proletkult, viria a suicidar-se). Maliévitch havia lançado o suprematismo na pintura, o primeiro movimento sistemático de pintura abstrata, enquanto Gabo e Pevsner realizavam o construtivismo na escultura. Surgia Kandinski , um dos grandes pintores-teóricos, ao passo que Meierhold revolucionava o teatro. Sem falar no cinema, ou, principalmente, em Eisenstein, um dos criadores da sintaxe básica do filme, o maior cineasta teórico e com obra quase insuperável registrada na história. Posteriormente, todos eles seriam tragados pelo obscurantismo, cairiam no suicídio, na prisão, no ostracismo, na fuga ou naqueles típicos desaparecimentos siberianos. Em lugar disso, erigiu-se o ridículo realismo socialista, tão irreal em material de arte quanto o socialismo burocratizado, que gerou a liquidação de Trótski.
Mas foi naquele período de grandes arrancadas renovadoras que os formalistas desenvolveram suas pesquisas, hoje reconhecidas mundialmente. Se na mesma época, em paralelo, Ezra Pound começava a fazer a melhor crítica pragmática do século (tal como fez, aqui, Mário Faustino, na segunda parte do decênio de 1950), eles, em lugar da crítica propriamente dita, efetuaram - como acentuou Tzevan Todorov, em entrevista de terça-feira última no Correio da Manhã - uma espécie de teoria da literatura e o seu approach como linguagem. Perspectiva das mais fascinantes, se pensarmos que hoje se fala fartamente em teoria da informação e era da comunicação. Aliás, Roman Jakobson tomou-se um dos maiores linguistas do mundo e, no ano passado, mormente em seu notável e minucioso estudo de um poema de Fernando Pessoa, "Ulysses" chamou a atenção ao público aqui do Rio de como funciona o método formalista. Esse estudo foi depois publicado na revista Langages, assim como, na revista Tel Quel, ele lançou um estudo também exaustivo a respeito de um dos spleens de Baudelaire. Páginas e páginas, no árduo corpo-a-corpo com a estrutura do poema, sem a menor
invocação psicossociológica, sem cera verbal.
Os detratores é que batizaram o movimento como formalismo. Hoje, o tempo ensinou que formalistas eram exalamente aqueles que recorriam a um pseudo-marxismo ortodoxo para acorrentar o escritor em suas formas ideológicas, tal como acontece em todos os lugares onde o artista é perseguido e a liberdade é substituída pela desinformação oficial.
Correio da Manhã
28/10/1969