jlg
literatura

  rj  
Por que ler os Clássicos

Italo Calvino no mar dos clássicos

A definição clássica de "clássico" apegava-se aos padrões estéticos greco-romanos. Até Hegel e Winckelmann, ainda se pontificava aquela idéia do equilíbrio perfeito. Coisas como individualismo, burguesia, romantismo ou reabilitação do barroco recondicionaram as polarizações. A partir do século passado, a idéia de clássico, de um lado, apontava para o primado da maior racionalidade de composição, de outro, para obras cuja grandeza e/ou importância caiam no consenso do público e/ou dos observadores especializados. A descoberta, por exemplo, da perspectiva nas artes pictóricas, a invenção da imprensa, a primeira e a segunda revolução industrial mostraram novos caminhos de criação, modelaram novos conceitos estéticos. Hoje, diz-se que Guerra e Paz e Madame Bovary são dois romances "clássicos", que o Encouraçado Potemkin é um clássico do cinema ou que Mozart é um "clássico" .
Classicismo tem ainda forte vínculo com a idéia de padrão ou tradição. É até um receituário para a formação de artistas, criadores e intelectuais; para haver ruptura seria necessário, antes, haver cultura. Ezra Pound assim começava o seu poema "Cantico dei sole": "A idéia do que seria a América se os clássicos tivessem uma ampla circulação perturba meu sono" . Depois de muita tradição e traduções, ele partiu para a ruptura com Os Cantos, pela curva dos trinta anos de idade. Mas, em geral, os rompedores principiam cedo – o ímpeto da mocidade. Nem mesmo Pound poderia esperar muito. Afinal, Sturm und Drang aos setenta anos é difícil. Ou iniciar surrealismo aos oitenta seria facilmente interpretado
como "gagaísmo" ...
Por que Ler os Clássicos nos traz ltalo Calvino no papel de respeitável ensaísta. Alguns dos tópicos desse livro podem, inclusive, ser considerados como "clássicos" no gênero, pela clareza e capacidade de formulação. E mais, pela descoberta de aspectos extremamente ricos, inventivas, sutis em
determinadas obras.
O ensaio-título que abre a sequência descerra uma definição poliédrica, multifacetada, do tema em questão. Italo Calvino solta as rédeas de sua inteligência especulativa e aborda um tema acadêmico sob vários prismas. Despretensiosamente, esgota o assunto; pelo menos à luz de muitos ângulos. Tudo isso com uma linguagem lógica e acessível- esclarecedoraque nada tem a ver com as complicações terminológicas, até intencionais, dos pseudo-estruturalistas ou pós-semióticos das Éditions du Seuil, com seus intertextos ou isotopias meramente abracadabrantes a fim de épater turistas de leitura.
A partir daí, na maioria dos casos em textos curtos, vem o desfilar de temas, autores e obras consoante uma perspectiva classicamente subjetiva. Vamos a alguns tópicos.
Em "As Odisséias na Odisséia", a leitura homérica fica assinalada entre as claves do contraste e da simulação, para arrematar: "Talvez para Ulisses-Homero a distinção mentira / verdade não existisse, talvez ele narrasse a mesma experiência ora na linguagem do mito, como ainda hoje para nós cada viagem, pequena ou grande, sempre é Odisséia".
Vê, em Xenofonte, por meio do seu "Anábase", "bem delineada com todos seus limites a ética modema da perfeita eficiência técnica do estar à altura da situação', do 'fazer bem as coisas que têm que ser feitas' ". E, com isso, estamos em condições de realizar a ligação àquela ética de Hemingway (duzentas páginas depois), "daquelas regras desportivas que em todos os lugares ele sente. necessidade de impor a si com o empenho de regras morais, tanto numa luta contra um tubarão quanto numa posição assediada por falangistas". Nas entrelinhas do texto do autor de O Velho e o Mar, residiria a crise do pensamento burguês com a dualidade inextirpável: o desporto ou nada. Jogo.
Passeando seu indicador radical por Stendhal, dizendo inclusive que A Cartuxa de Parma sói ser "o mais belo romance do mundo", chegamos, com ele, a Jorge Luís Borges e suas imensas afinidades. "Mundo construído e governado pelo intelecto." "Zodíaco de signos que correspondem a uma geometria rigorosa." "Borges é um mestre do escrever breve." Para Calvino, Borges traduz um cabedal de idéias "num milagre estilístico, sem igual na língua espanhola".
Mas o que existe de mais gratificante nessa coletânea é constatar o Italo Calvino, prosador, como um acurado e imaginativo analista de poemas. É o caso de seus escritos sobre Eugenio Montale e Francis Ponge. Talvez, nada a dever a um Auden, em William Empson, até mesmo Eliot. O breve poema de Montale (um dos maiores poetas italianos do século), que começa com a expressão "Forse un mattino", constitui pretexto para estudo denso e imaginativo em torno da subjetividade como "depositária do segredo do nada", com o devido socorro à Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Pontyum dos livros básicos desse século. E, quanto a Ponge – o poeta prosador, original em suas pseudodescrições de objetos, e que fascinou estetas como Max Bense, vale a explicação, aqui, de sua "antropomorfia", na batalha com a linguagem, análoga à parábola do lençol, ora estreito, ora largo, no dizer pouco ou dizer demais.
ltalo Calvino é um escritor muito divulgado entre nós, como ficcionista em especial. Encontrá-lo como ensaísta é também encontrar, no barco da racionalidade, o seu estojo de critérios


Por que esse seu Apego aos Clássicos? (Aliás, todo Mundo Tem uma Definição de Clássico. Borges Tem uma, T. S. Eliot outra ...)
JLG- Ah, "os clássicos!", dizem. De bons conteúdos está cheio o inferno ... Se na arte valesse boa intenção, imaginem! Mas arte é forma. O resto é literatura. Já as traduções são um último esforço criativo. Não digo que o verso tenha acabado, mas é inegável que, quantitativamente, seja uma coisa superada.
[Entrevista ao Jornal do Brasil, 9.1.1988]

O Globo
24/10/1993

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

165 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|