Dizer
Autor: Júlio César Prado Leite
Editora: Paz e Terra, 188 páginas
Conheci Júlio César Prado Leite, em 1951, quando, vindo de São Paulo, incorporou-se ao terceiro ano da Faculdade Nacional de Direito, tornando-se meu colega de turma. Alguns meses depois, ficamos amigos, num encontro casual, diante do maior artista desse século: Charles Chaplin. Local: saída do cinema Vitória, onde, entre risos, lágrimas e até discursos, havia sido reprisado Luzes da Cidade. Daí então, estamos até hoje.
Foi Júlio César, naquele mesmo ano, quem me introduziu na obra poética de Augusto de Campos (O Rei menos o Reino), Haroldo de Campos (O Auto do Possesso) e Décio Pignatari (O Carrossel). Cerca de dois anos depois, apresentou-me a Augusto e, a partir daí, veio tudo mais. Conheci Haroldo, Décio e Ronaldo Azeredo e passei a fazer parte do movimento de poesia concreta que eles lançaram em 1956, Enfim, do noigandres.
Júlio escrevia contos (um deles foi publicado no SDJB em 1957) e poemas. Mas esses últimos, deixava-os pelas gavetas; alguns, abrigados em meus arquivos. É o exemplo de "Ó Górgona, de Serpes Incontidas" (com cerca de 40 anos) ou de "Blaublick", com seu belo decassílabo final: "ó vil homem da noite em vida posto!". Esse longo ineditismo foi de certa forma causado pela sua incessante atividade de jurista, político e advogado, com projetos de leis, pareceres, ensaios publicados em nível nacional e internacional.
Agora, chega afinal o seu "Dizer": "O que vem na sua voz / está na origem do verbo / eis o vero reverbero / da luz que se sente a sós". Aqui está um exhibit do que é predominante na poética de Júlio: as assonâncias e aliterações, rimas e rimas internas, uma palavra à nascer da oura ou, às vezes, emerge um conceito original. Exemplos e exemplos, como "Clave" ou "Solitude" ("Mas me dói a alacridade / do falar contínuo em solitude / que do próprio sol a claridade").
Navega a vida em esperânsias. O que aguardávamos era que o poeta viesse a dizer em público o que, há muito, já dizia na discrição de algumas amizades. E assim abriu-se a tenda. Daí em diante, cabe o porvir, ou seja, fé no verbo e pé na tábua: "assim se fecham os tempos/ assim se abrem as manhãs".
Jornal do Brasil
28/03/1988