O cavaleiro inexistente
autor: Italo Calvino
assunto: paródia das aventuras fantásticas de cavaleiros medievais na época de Carlos Magno, ficando reservada uma surpresa para o desfecho.
Italo Calvino, hoje em dia, anda na onda; pelo menos entre nós. Diversos livros de sua autoria vêm sendo traduzidos seguidamente aqui no Brasil. Um dos últimos é O Cavaleiro Inexistente, que, assim como O Barão nas Árvores, acaba de ser editado nesse ano pela Companhia das Letras. Ambos, juntamente com O Visconde Partido ao Meio, formam a série Os Nossos Antepassados. Estamos diante de um escritor que, depois de se iniciar dentro de uma perspectiva neo-realista, ingressou naquilo que se denomina de universo mágico ou fantástico. Esse Cavaleiro começa por aí - não existe, sua armadura movimenta-se oca, sem o recheio carnal, palpável, da personagem que se intitula Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore E Fez. Um nome quase tão longo quanto a leve e insólita história que o envolve.
Logo abaixo de Agilulfo, bamboleiam sobre a difusa linha de ficção outros seres deliberadamente inverossímeis como o seu escudeiro Gurdulu (e sua bárbara gula), a guerreira Bradamante, Tambaldo, o aspirante e cavaleiro de Carlos Magno, e Torrismundo, o paladino bastardo do Graal. Todos a se deslocar por entre as estrias de uma salada intencional de temas e conversas, narrada por uma freira, irmã Teodora, supostamente de ou de dentro de um convento - aqueles conventos medievais onde tudo podia acontecer. Com a graça de Deus; ou do demo. Nessa altura, quando no final do entrecho personagem e contador da história se confundem, volta à baila a dúvida, válida ou não, de que o escritor de ficção é só e/ou sempre um narrador. Esse Cavaleiro Inexistente, trazendo na superfície do texto uma aparente despreocupação estrutural, num pisca-pisca de gratuidades, pode também encerrar mais um desafio à meditação em torno do ofício ou arte de relatar o inventar histórias.
Novo ponto de acionamento das teorias mais sensatas ou mais tresloucadas. Afinal, numa escrita clara e direta, com uma sintaxe nítida, sem marombas, mas com um dispositivo de referências que navega em várias águas, seja a da sátira (ao ideal romântico), da paródia (do heroísmo), da alegoria (tudo é figuração) ou do surrealismo, pode-se perguntar quais as intenções de Calvino. Seria melhor não responder rápido. Talvez a explicação, em parte, esteja na página 59, quando a interposta narradora diz que "a arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se entendeu da vida todo o resto; mas, concluída a página, retorna-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada".
Revista IstoÉ
28/04/1993