título: Amok e Xadrez
autor: Stefan Zweig
assunto: Duas novelas insólitas em torno de uma doença da Malásia e de um jogo dexadrez reunidas em um volume e narradas num fôlego só pelo escritor austríaco
Stefan Zweig foi um escritor austríaco que, há quase meio século, esteve na moda entre nós e por motivos óbvios: gostava daqui (escreveu Brasil, país do futuro), especialmente da cidade do Rio de Janeiro, morou no fim da vida em Petrópolis, onde se suicidou juntamente com a mulher, em 23 de fevereiro de 1942, e era um autor de prestígio no Exterior, amigo, entre outros, de Freud. Muitos filmes foram extraídos de sua obra, que, além da ficção, oferece ensaios e biografias. Agora, ele novamente volta à tona. Um dos lances deste retomo é o livro que a Nova Fronteira está lançando, a conter duas de suas melhores novelas e tendo, como apêndice, o diário inacabado de sua Viagem ao Brasil e à Argentina. Ao mesmo tempo, uma apresentação e cronologia a cargo de Ingrid Schwambom. As traduções são de Odilon Gallotti ·e Marcos Branda Lacerda.
Nestas novelas, a par do caráter insólito e inusitado dos assuntos, existem dois mecanismos que se repetem, ou seja, a superposição de dois narradores na primeira pessoa e a tentativa de levar o leitor, num só arranque, até o desfecho. Por isso mesmo, o estilo e a técnica de Stefan Zweig são aqueles de, em tais casos, eliminar a descrição de minúcias e considerações marginais. Ele cede seus direitos a uma primeira e hipotética personagem principal, que, introduzida no cenário, passa o bastão do relato à verdadeira
personagem principal. Em Amok, esta última é um médico que corre, possesso, na obsessão por uma mulher que, momentos antes, desconhecia. Tudo ocorre às golfadas para se chegar a um final dramático. Publicada em 1922, esta novela gerou êxito e a palavra-título passou a ser muito utilizada, inclusive aqui no Brasil, com relação a alguém que tem um treco repentino e cai no desvario. Como outrora se dizia, "deu amok".
Mas está em Xadrez (Schachnovelle) o maior interesse; mais ainda para quem conhece o jogo. Foi escrita no Brasil e lançada depois do suicídio, em setembro de 1942. O xadrez - trampolim permanente para a inteligência especulativa - é o único jogo onde a sorte tem influência zero; sempre ganha quem atuou melhor. Há milênios mobiliza cérebros e constitui fator indutivo de loucura e prostração. Reza a lenda que o diabo é o melhor jogador, mas, num conto do nosso Malha Tahan, ele abandona a partida quando as peças de seu adversário formam uma cruz sobre o tabuleiro. No tabuleiro de sua ficção envolvente, Stefan Zweig põe a personagem principal em transe que antecede a insânia e, ele próprio, o escritor, pela voz do jogador, dá o seu lance conceitual: “Querer jogar xadrez contra si mesmo é, pois, um tal paradoxo, como seria o de alguém querer passar por cima da própria sombra." Através de uma história extremamente original, sobre o preto e branco dos quadrados, a eterna luta entre real e imaginário, objetivo e subjetivo. Resultado filosófico: tablas (empate).
Revista IstoÉ
02/06/1993