título: A casa de praia das sextas-feiras e outros contos
autor: Alberto Moravia
editora: Bertrand Brasil, 218 págs.
ideia: Coletânea de contos que o autor italiano escreveu na década de 80, na qual predomina a temática do relacionamento amoroso e dos impasses e peripécias da vida conjugal
Alberto Moravia não é um escritor fundamental, mas é um dos mais conhecidos neste século. Isso em decorrência não só das traduções de seus livros para vários países, como também da presença no cinema, com diversos filmes baseados em sua obra: La provinciale, La ciociara, Il conformista são exemplos. Seu trabalho de ficção milita sob um pano de fundo político-social, com uma fase de cunho neo-realista, ou se aprofunda no exame do relacionamento entre homem e mulher, com o predomínio de uma ótica sexual e psicológica. Sem, é claro, dispensar as contingências sociais.
É essa perspectiva dos impasses da vida conjugal e das variáveis e variantes daquilo que se entende como amor o que envolve basicamente esse livro de contos agora lançado entre nós. O ménage à trois ocupa amplo espaço nessa série de histórias - o que não é de estranhar: afinal, é uma das molas de manutenção da estabilidade interna numa sociedade industrial. O pensamento do autor perpassa, tácito, por entre as insinuações e situações vividas pelas personagens - aquele de que a monogamia é uma instituição artificial.
Tudo bem, tudo certo. Com a segunda revolução industrial, o acesso da mulher ao mercado de trabalho mais cerebral e menos braçal (lavar, passar, cozinhar etc), somado a outras coisas, como pílula ou tevê, deu-lhe a devida independência e, assim, quando nas sociedades mais civilizadas se forma o fatal triângulo, ela sempre será uma hipotenusa mais sofisticada e desinibida do que outrora, diante dos dois catetos menos perplexos e mais céticos; cínicos, conforme o caso. Nos contos mais curtos, isso traduz uma permanência em modelo de anedota, pois nem sequer haveria espaço concreto para dissecar personagens; elas já vêm prontas na
bandeja redundante de Moravia.
Mas, neste volume, destacam-se dois contos. O primeiro - A bandeja diante da porta, que ocupa 64 páginas - é até mais uma novela do que um conto. Bela obra de ficção, no âmbito de um hotel de classe, envolvendo uma ninfomaníaca balzaquiana e um jovem de 18 anos, virgem e perplexo. Junto a eles, o marido, que nem sempre é necessariamente o macho, e uma cronista social caricata e lésbica. No meio disso, num entrecho bem desenvolvido e com descrições enriquecedoras, Gian Maria, o jovem protagonista, aprende sua lição. O Segundo conto a ser destacado - O meu nome é Alice e eu sou um pião - merece ainda mais atenção. É uma peça de alta originalidade, onde Moravia deixa o seu eixo e penetra nas complexidades de um texto onírico-intimista, um minifluxo de consciência de uma menina, operado com grande êxito. Constitui merecida surpresa para leitores de Faulkner, Kafka, Proust ou Virginia Woolf.
Revista IstoÉ
04/08/1993