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Calvino no mar dos clássicos

Por que ler os clássicos
autor: Italo Calvino
tradução: Nilson Moulin
editora: Companhia das Letra, 240 pgs


A definição clássica de "clássico" apegava-se aos padrões estéticos
greco-romanos. Até Hegel e Winckelmann, ainda pontificava aquela idéia do equilíbrio perfeito. Coisas como individualismo, burguesia, romantismo ou reabilitação do barroco recondicionaram as polarizações. A partir do século passado, a idéia de clássico, de um lado, apontava para o primado da maior racionalidade de composição, de outro, para obras cuja grandeza e/ou importância caiam no consenso do público e/ou dos observadores especializados. A descoberta, por exemplo, da perspectiva nas artes pictóricas, a invenção da imprensa, a primeira e a segunda revoluções industriais mostraram novos caminhos de criação, modelaram novos conceitos estéticos. Hoje diz-se que "Guerra e paz" ou "Madame Bovary" são dois romances "clássicos", que "O encouraçado Potemkin" é um clássico do cinema ou que Mozart é um "clássico".
Classicismo tem ainda forte vínculo com a idéia de padrão ou tradição. E até um receituário para a formação de artistas, criadores e intelectuais; para haver ruptura seria necessário, antes, haver cultura. Ezra Pound assim começava o seu poema "Cantico del sole": "A idéia do que seria a América se os clássicos tivessem uma ampla circulação perturba meu sono". Depois de muita tradição e traduções, ele partiu para a ruptura com "Os cantos", pela curva dos 30 anos de idade. Mas, em geral, os rompedores principiam cedo - o ímpeto da mocidade. Nem mesmo Pound poderia esperar muito. Afinal, Sturm und Drang aos 70 anos é difícil. Ou iniciar surrealismo aos 80 seria facilmente interpretado como "gagaísmo"...
"Por que ler os lássicos" nos traz Italo Calvino no papel de respeitável ensaísta. Alguns dos tópicos desse livro podem, inclusive, ser considerados como "clássicos" no gêrero, pela clareza e capacidade de formulação. E mais, pela descoberta de aspectos extremamente ricos, inventivas, sutis emdeterminadas
obras.
O ensaio-título que abre a sequencia descerra uma definição poliédrica, multifacetada, do tema em questão. Italo Calvino solta as rédeas de sua inteligência especulativa e aborda um tema acadêmico sob vários prismas. Despretensiosamente, esgota o assunto; pelo menos à luz de muitos ângulos. Tudo isso através de uma linguagem lógica e acessível - esclarecedora – que nada tem a ver com as complicações terminológicas, até intencionais, dos pseudo-estruturalistas ou pós-semióticos, das Editions du Seuil, com seus intertextos ou isotopias meramente abracadabrantes a fim de épater turistas de leitura.
A partir daí, na maioria dos casos em textos curtos, vem o desfilar de temas, autores e obras consoante uma perspectiva classicamente subjetiva. Vamos a alguns tópicos.
Em "As odisséias na Odisséia", a leitura homérica fica assinalada entre as claves do contraste e da simulação, para arrematar: "Talvez para Ulisses-Homero a distinção mentira/verdade não existisse, tal vez ele narrasse a mesma experiência ora na linguagem do vivido ora na linguagem do mito, como ainda hoje para nós cada viagem, pequena ou grande, sempre é Odisséia".
Vê, em Xenofonte, através do seu "Anábase", "bem delineada com todos seus limites a ética moderna da perfeita eficiência técnica do estar "à altura da situação", do "fazer bem as coisas que têm de ser feitas". E, com isso, estamos em condições de realizar a ligação àquela ética de Hemingway (200 páginas depois), "daquelas regras desportivas que em todos os lugares ele sente necessidade de impor a si com o empenho de regras morais, tanto numa luta contra um tubarão quanto numa posição assediada por falangistas". Nas entrelinhas do texto do autor de "O velho e o mar", residiria a crise do pensamento burguês com a dualidade inextirpável: o desporto ou nada. Jogo.
Passeando seu indicador radical por Stendhal, dizendo inclusive que "A cartuxa de Parma" só pode se "o mais belo romance do mundo", chegamos, com ele, a Jorge Luis Borges e suas imensa afinidades. "Mundo construído e governado pelo intelecto". "Zodíaco de signos que correspondem a uma geometria rigorosa". "Borges é um mestre do escrever breve". Para Calvino, Borges traduz um cabedal de idéias "num milagre estilístico, sem igual na língua espanhola".
Mas o que existe de mais gratificante nessa coletânea é constatar o Italo Calvino, rosador, como um acurado e imaginativo analista de poemas. E o caso de seus escritos sobre Eugenio Montale e Francis Ponge. Talvez, nada a dever a um Auden, um William Empson, até mesmo Eliot. O breve poema de Montale (um dos maiores poetas italianos do século), que começa com a expressão "Forse un mattino", constitui pretexto para estudo denso e imaginativo em torno da subjetividade como "depositária do segredo do nada", com o devido socorro à "Fenomenologia da percepção", de Merleau-Pontyum dos livros básicos deste século. E, quando a Ponge - o poeta prosador, original em suas pseudodescrições de objetos, e que fascinou estetas como Max Bense, vale a explicação, aqui, de sua "antropomorfia", na batalha com a linguagem, análoga à parabola do lençol, ora estreito, ora largo, no dizer pouco ou dizer demais.
Italo Calvino é um escritor muito divulgado entre nós, como ficcionista em especial. Encontrá-lo como ensaísta é também encontrar, no barco da racionalidade, o seu estojo de critérios.

O Globo
24/10/1993

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
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O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
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E. E. Cwnmings em Português
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