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Pound. A medida de grandeza

A morte de Ezra Pound assinala o desaparecimento do último
grande poeta. No século atual, nenhum outro com ele se ombreou, se formos tomar em conta, não só a mestria, mas a invenção e a multipllicidade de efeitos de sua poesia.
Mas não foi só isto. Pouiild representa, nos séculos, um dos maiores intelectuais com idéias em ação. Por isso mesmo, pelo menos no sentido objetivo, pragmático, foi o maior crítico de poesia. E, além de crítico, ensaísta, teórico da literatura, voltou sua atividade e pensamento para inúmeros outros itens: música (chegou a compor duas óperas), artes plásticas, teatro, tradução, economia, política etc. Acima de tudo, até determinada época, o grande empresário de escritores, em cujo futuro apostava.
E como apostou certo. Foi ele quem lançou T. S. Eliot, de quem também o outrora chamado "poema do século",
The Waste Land, antes de ir para a tipografia passou pelo seu crivo (o lapis vermelho de EP reduziu o "poema do século" a cerca de um terço). Era ele também quem riscava os adjetivos dos contos de Ernest Hemingway, antes de seguirem para pulblicação. Enfim, foi Pound o grande empresário de Joyce, para o qual conseguiu tempo e financiamento a fim de escrever Ulisses, um dos romances do século. Todos estes escritores e muitos outros mais deixaram, por escrito, o seu depoimento de gratidão e admiração.
Mas o verdadeiro "poema do sécuio'' são os seu Cantares, sequência de 116 trechos, onde, numa técnica de montagem, insere, dentro do texto, passagens poéticas ou não em outra línguas, ideogramas chineses, fragmentos de discursos, notícias, relatos históricos etc. Com isso, a diicção e o ritmo da poesia ganharam novas linhas de força.
Quanto ao Ezra Pound tradutor, talvez seja o mais fabuloso de todos os tempos, na literatura occidental. Quem mais levou adiante a formulação criativa de que traduzir é trair, ou seja, não perfazer o mero blá-blá-blá semântico e, sim, reconstruir, noutro idioma, os efeitos do original, mesmo que seja necessário alterar o significado de uma ou mais palavras. Aliás, antes dos Cantares, quase toda poesia de EP já era uma espécie de pseudotradução, ou seja versejar à moda de; Personae: envergar a máscara de determinado autor e escrever como ele o faria. E é só constatar de quantas línguas traduziu poesia; francês, italiano, alemão, provençal, inglês, arcaico, chinês, japonês, grego, latim. Entre as principais, destacam-se as de Aunaut Daniel, do Seafarer, de Confúcio, de Guido Cavalcanti, Propertius e o Cathay.
A teoria e a ensaística de Pound consumaram, de saída, uma autêntica reconstrução da história da literatura, ao nível internacional. Devolveu, para à Itália, a importância de Guido Cavalcanti; para a França, Laforgue, Corbière e Rémy de Gourmont; ajudou a restaurar a fabulosa Poesia Metafísica inglesa, aquela de Donne, Marvel e outros; colocou a poesia provençal naquele nível de extraordinária criatividade; trouxe, para a literatura ocidental, a contribuição do método ideográfico e, dentro disso, traduziu o estudo de Fenollosa;
recolocou Villon num dos tronos da poesia francesa; chegou a fazer um ensaio sobre nosso Camões, definindo-o como o Rubens do verso.
Seu "ABC of Reading", um livro essencial para iniciantes e interessados no ofício literário (já lançado, aqui no .Brasil, pela Cultrix, na tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes), contém a famosa classificação dos escritores, em inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, beletristas e lançadores de modas. E há a notável divisão da poesia em três modalidades básicas: melopéia (música, som), fanopéia (imagem) e Iogopéia ("a dança do intelecto entre palavras") . Usou desse sistema, a fim de situar objetivamente a obra de diversos autores, em língua inglesa ou estrangeira.
No Brasil, a sua influência, a sua importância só começou a ser divulgada a partir da década de 1950, por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari (com quem manteve correspondência). A publicação "Noigandres", através da qual lançaram seus poemas e, após, foi berço da poesia concreta, tem este seu nome provindo de uma palavra de Arnaut Daniel, mencionada no Canto XX, e cujo significado permaneceu desconhecido. Depois, Mário Faustino e nós mesmos, dentro da formação idêntica, ainda naquela década, passamos a pôr também em ação a estética de EP. Mário Faustino, como crítico pragmático, do dia-a-dia da poesia, foi o mais poundiano que já tivemos. E vieram as publicações das traduções de EP para o português – primeiro nos jornais, depois, em livro, a edição do MEC de vários "Cantares" (1958), traduzidos, em conjunto, por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari; a seguir, em Portugal, em 1965, a Editora Ulisséia publicou um volume de traduções, com trabalhos dos três poetas acima citados e mais o nosso e o de Mário Faustino.
Resta uma ligeira menção ao "Pound'' político. O tão decantado fascismo de "Pound". Sim, ele apoiou Mussolini, pagou por isto com o campo de concentração em Pisa; depois, para escapar da condenação, ficou internado, como "louco", no Hospital de St. Elizabeth, durante 12 anos (1946-1958): Pouco depois de sair dali, em carta ao grupo Moigandres, (publicada no Jornal de Letras, de. abril de 1958), manifestou seu interêsse de vir ao Brasil. Mas a contradição se explica pela generosidade e pela própria vivência do escritor. Era um idealista, amador em política, tal como tantos outros intelectuais; era contra a dinheirocracia, a usura ("a usura é um câncer no azul"), caiu no conto do vigário de Mussolini. Danouse, não deu o braço a torcer. Mas mostrou-se autêntico e coerente a seu modo. Jamais foi um burocrata, quer da política, quer da criação (principalmente da poesia), como a maioria dos que, sem sequer conhecerem sua obra e vida, arvoram-se, pavoneiam sua ignorância, pretendendo julgá-lo - os eternos faturadores de simpatias e tremeliques imediatistas, em falso transe de esquerdorréia. "Pound" -
o Marco. O resto é, quase todo, o resto.
Nasceu nos EUA, em Hailey, Idaho, a 30 de outubro de 1885. Morreu, agora, aos 87 anos. Era um carvalho, uma rocha - as rugas eram entalhadas no ferro feroz do combate, jamais no macio franzir da espreita de facilidades.

Correio da Manhã
03/11/1972

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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