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Igitur – o texto

“O ausentar-se dentro do Ser é a essência daquilo que eu denomino o Nada. Daí porque o pensamento, por pensar no Ser, pensa no Nada"- Heidegger.

"O Nada tendo partido, resta o castelo da pureza" - Mallarmé (IGITUR)


Hoje, o exame crítico da escrita, do escrever, seja de ficção, poética, ensaística etc., consoante os projetos mais ambiciosos, tenta uma nova modalidade de "aprofundamento", dentro de processos objetivos, científicos, desprezando o balizar tradicional de gêneros, dicotomias, classificações. A intensificações dos recursos de pesquisa linguística ou de algo de alcance ainda mais amplo, como a semiótica, relegou a um segundo plano antigas perspectivas obrigatórias. De saída, em muitos casos, não interessaria constatar se o que está diante de nós é romance, conto, poema ou ensaio. Interessaria, sim, o problema do texto em si, de suas virtualidades. O estruturalismo dando as cartas, o significado sendo engolido pelo significante (o que, no caso da grande maioria dos ensaios, seria uma contrafação).
Uma das coisas mais precursoras como texto, a escapar das tabelas de gêneros, é Igitur, de Mallarmé, obra que o poeta parara de escrever por volta de 1869-70 e à qual jamais voltaria a conferir elaboração definitiva. Mas aí está a própria teoria do texto, a fim de demonstrar que o não acabamento nem sonha impedir de se tratar de uma das obras mais importantes de todos os tempos.
Não pode ser entendido, isoladamente, nem como poesia, drama, ficção, ensaio, conto filosófico. Inexiste gênero. Porém, é heideggeriano avant la-lèttre. É um dos maiores espetáculos do esforço de pensar. A palavra lgitur é extraída do capitulo II do texto Iatino da Gênese: "lgitur perfecti sunt coeli et terra et omnis ornatus eorum." E o nome, Elbehnon (constante do subtítulo da obra, A Loucura de Elbehnon), provém do hebráico, significando os filhos dós Elohim, potências criadoras emanadas de Jeová. Por aí, já se denota o tema-chave: a potência criadora mergulhada até a loucura, diante do desafio da totalidade, ou no caso mallarmaico, o seu sinônimo, o vazio, o nada, a pureza, o absoluto, o infinito. Em suma: o Não-Ser, em cujo estado, somente, torna-se viável controlar, abolir o acaso e, então, realizar a abra órfica suprema.
Paul Claudel, em seu artigo, A Catástrofe de lgitur, após considerá-lo como um "documento capital", vê o "Hamlet supremo encerrado numa prisão de signos". E, tal como a maioria dos estudosos de Mallarmé, detecta, em lgitur, o trampolim para a concepção de Um Lance de Dados, o poema realmente inaugurador da poesia verdadeiramente moderna.
Ainda o mesmo Claudel (e aqui está um assunto para meditaço dos estruturalistas do texto), mostra como o significativo que Mallarmé,
haja escolhido, como pseudônimo (Igitur), um advérbio que, tal qual a conjunção, como figuras do discurso, confere à frase (como numa figuração de ballet) à sua attitude e articulação.
Edmond Bonniot, genro do poeta, e que, em 1925, descobriu o manuscrito, classificou-o como uma prosa muito densa, com as palavras em éco a permitir o retorno do pensamento sobre si próprio. Reflete aquelas cintilações da linguagem mallarmaica, a serviço de um dos esforços mais extenuantes, para penetrar numa razão superior, que não aboliu o mistério. Palavras em cena no teatro ontológico, onde se opera a transmutação alquímica da linguagem poética, do texto, em amálgama de sujeito e objeto. Ou, um livro é um livro e nada mais.

Albaixo, como exemplo, transcrevemos um trecho de lgitur, em tradução nossa.

***
A MEIA-NOITE

Certamente, subsiste uma presença de Meia-iNoite. A hora não desapareceu por um espelho, não está oculta em tapeçarias, a evocar um mobiliário através de sua vazia sonoridade. Recordo-me que o seu ouro dissimularia, na ausência, uma jóia nula em fantasia, rica e inútil sobrevivência, a não ser que, na complexidade marinha e estelar de uma ourivesaria, se lesse o infinito acaso das conjunções.
Revelador da Meia-Noíte, ele jamais, então, indicou semelhante conjuntura, pois aqui está a única hora que criou; e que, do infinito, as constelações e o mar se separem, permanecidas, na exterioridade, recíprocas nadas, para lá deixar a essência, à hora unida, forjar o presente albsoluto das coisas.
E, da Meia-Noite, perdura a presença, na visão de uma câmara do tempo, cujo misterioso mobiliário detém um vago frêmito de pensamento, luminosa fenda o retorno de suas ondas e de seu primeiro espraiar-se, enquanto se imobiliza (num limite móvel) o local anterior da queda da hora numa calmaria narcótica do eu puro, longo tempo sonhado; mas de que o tempo se transforma nas tapeçarias, sobre as quais se fixou, completando-as com seu esplendor, o frêmito amortecido, em olvido, como uma lânguida cabeleira em torno da face clareada de mistério, aos olhos nulos, semelhantes ao espelho, do visitante, despojado de toda significação que não seja presença.
É o sonho puro de uma Meia-Noite, em si desaparecida, e cuja divisada claridade que permanece solitária no seio de sua consumação, mergulhada na sombra, resume sua esterilidade na palidez de um livro aberto, exposto pela mesa; página e cenário triviais da noite, a não ser que ainda subsista o silêncio de uma antiga palavra proferida por ele, no qual ressurgida, essa Meia-Noite evoca sua sombra finda e anulada por estas palavras: "Eu era a hora que me deveria tornar puro."
Morta, há muito, uma antiga idéia se contempla como tal, à claridade da quimera, na qual agonizou seu sonho, e se reconhece no vago gesto imemorial, com o qual se convida, para extirpar o antagonismo desse sonho polar, a restituir-se com a claridade quimérica e o texto fechado, ao Caos da sombra abortada e da palavra que absolveu a
Meia-Noite.
Inútil, do mobiliário completado que se atolará em trevas, como as tapeçarias já imersas numa forma permanente de sempre, enquanto que, lampejo virtual, produzido pela própria aparição no refexo da obscuridade, cintila o fogo puro do diamante do relógio, única sobrevivência e jóia da Noite Eterna, a hora se formula nesse éco, no limiar dos panos abertos para o seu ato da Noite; "Adeus, noite, que fui, teu próprio sepulcro, porém que, sombra sobrevivente, se metamorfoseará em Eternidade."

Correio da Manhã
09/04/1973

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

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Jornal do Brasil 01/12/1957

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O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
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Correio da Manhã 11/04/1959

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Correio da Manhã 05/05/1962

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Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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