Anatomias
autor José Paulo Paes
Editôra Cultrix - 66 páginas
Por Mim Por Você no Vietnam
autor Ferreira Gullac
edições SPED - 52 páginas
Na orelha dêste último livro de José Paulo Paes, Augusto de Campos observa bem que se trata do mais oswaldiano dos nossos poetas, ao unir inclusive as características epigramáticas à sintaxe analógica do ideograma. JPP, que colabora na revista Invenção, sem ser propriamente o que se possa considerar um poeta concreto ou imediatamente de vanguarda, tem o raro dom da síntese, ou seja, a rarefação de elementos e relações captada num sentido dinâmico da comunicação, com efeitos de surprêsa. Quem compreende a inescapável essência lúdica da atividade poética (embora possa ser também interessada, engajada, participante, como é o caso de JPP), sabe que a capacidade de surpreender rima com aquela de inovar. E, para tanto, um outro recurso de pêso bem explorado pelo autor: o humor. Veja-se o exemplo de O Suicida ou Descartes às Avessas, já divulgado no âmbito internacional: "cogito/ergo/pum". Ou a Anatomia da Musa, onde a figura de um manequim despido é comentada espacialmente através de expressões em latim. Ou a magistral Cronologia (êste, um poema concreto): A.C./D.C./W.C. Por seu turno, À Moda da Casa é uma precisa sátira participante, radical na simplicidade, sem derrame verbal: "feijoada/ marmelada/ goleada/quartelada". No mesmo sentido, a decomposição funcional da palavra negócio, no Epitáfio para um Banqueiro. JPP é um poeta instigante ao raciocínio formativo e essas suas Anatomias constituem um dos livros mais originais aqui publicados nos ultimo’s anos.
Ferreira Gullar é o autor de um dos maiores livros de poesia existentes, desde a época da instauração do modernismo: A Luta Corporal. Posteriormente, foi ficando com um maço de originais inéditos até que, em dezembro ele 1956, veio a participar, integrado no concretismo, da l Exposição Nacional de poemas daquele movimento. A seguir, desligou-se do concretismo e fundou o neoconcretismo (de curta duração), sob a égide do qual publicou um livro, onde figurava o seu melhor poema da fase concreta: mar azul. Logo depois, inaugurou a fase do poema-objeto, com o uso de palavras inscritas em caixas, gavetas ou outros objetos, quando levou às últimas consequências o seu projeto de destruição da poesia (como é tradicionalmente concebida). Todavia, eis que a fênix verbal renasce pouco tempo depois e êle reaparece com um livrinho engajado, João Boa Morte, com rimas fáceis e na métrica mais fluente da nossa língua: a redondilha maior. O nascimento de Boa Morte coincidiu com a intenção de explorar a "participação" ao nível mais raso e direto. Vieram outros poemas na mesma batida e, agora, êste No Vietnam, onde o texto versificado se intercala com excelentes fotografias da guerra, em alto contraste. Embora seja muito superior a todos os vates que o acompanham nessa linha acadêmica de protesto (aliás, justo), nada há que dizer sôbre tal fase, tirante um ou outro lance metafórico. Vamos ser acacianos: o inferno da criação também está cheio de boas intenções.
Correio da Manhã
24/12/1967